As tormentas do vazio: quando tomar coragem de mexer é trazer esperança para seguir

Reprodução da tela de Salvador Dali: "A desintegração da persistência da memória”, de 1952.

Sempre foi fácil escapulir das minhas próprias angústias. Entre um gole e outro, entre um luto e outro, entre um prazer e outro… bastava preencher espaços. Encher mais o copo com uma boa bebida para engolir sem mastigar o que eu não tava afim de digerir.

Trazer consciência para esta realidade interna foi um processo iniciado há tempos… Resisti bastante a ele. Senti desconforto físico, mental e emocional. Entendi, com o passar do tempo e as mexidas nas minhas dores, que dentro de mim havia uma panela de pressão de expectativas sobre mim mesma. Mostrar fraqueza, pra que, por que? Como?

Uma sensação de abandono marcada no meu inconsciente desgarrava de permitir receber migalhas por uma vida inteira. Já me contentei com tão pouco. Já sufoquei o mundo por medo de não receber de volta. Já me contei tantas histórias sabotadoras que nem mesmo um museu de crenças seria capaz de escutar. Eis que… me dei uma chance de ressignificar isso. Havia de ter uma saída: a chave era esvaziar… já estava sendo. O iceberg vinha à tona, o calor do silêncio em volta me trazia luz. Já não dava mais para evitar. Era uma grande chance de transformmar meu monstro em meu amigo.

O mundo parou na marra e chegava a hora de escolher: permanecer ali nas "fantasias de Alice" ou percorrer as escuridões da minha fragilidade interna. Seguir, mesmo com dor, santa dor, tão evitada. E tão necessária para trazer a cura.

De todas as pedras que encontrei na vida, me arranhei profundamente com algumas pequeninas. Inclusive elas estavam apegadas a mim, eu as trazia no "bolso" da minha caminhada. Sob o pretexto de coleciona-las. Sim! Cada perda não vivida era um troféu. Opa! Venci, não senti. E a pressão ia aumentando… quentura no peito de vez em quando… tava ali. Pulsante. Quentinha e quietinha. Mais uma dor. Menos uma vida…

Quando o mundo parou diante dessa pandemia, percebi: não cuidei do que me foi dado da forma merecida. Da oportunidade de estar em presença com toda minha capacidade. Plaft! Espelho espelho meu: quem me abandonou mais do que eu? Quando eu quis minha própria escuta, escolhia encher a cara de desculpas e do que me entorpecia. Rebelde com as causas causadas pela minha propria resistência. Forçar o riso… travar o maxilar. Aparentar pra ninguém perguntar o que acontecia. Viver de amenidades. O falso engano do castelo de areia… a onda levou. E devolveu… quase sempre volta, né?

Verborragizei tudo isso pra contextualizar que estar parmanentemente sóbria nos dias desta época incerta me trazem ainda mais luz sobre algo tão delicado na nossa sociedade: as pessoas se entorpecem pra não sentir o desagradável cotidiano. O falso curativo da euforia, que abre ainda mais o machucado do coração…

Tenham compaixão sobre apontar-lhes os dedos e traçar julgamentos sobre os excessos percebidos. Sobre o que te incomoda e o que revela sobre o outro e sobre você? A gente nunca sabe o que tem do lado de lá... Se a gente olha pro lado de cá, já começamos a remediar a nós mesmos. E sempre há o que mexer. E também o que não tocar, a tempo e a hora de não se perder.

Ao mesmo tempo que só ele, o outro, vai poder escolher se dar de presente sua própria voz se quiser receber a si mesmo com verdade, esteja por ele. E também dê espaço se ele quiser estar só. Nunca se está sozinho na verdade... É que a gente costuma fugir de si… e é só na gente mesmo que está a resposta, o acolhimento e a escolha de sermos fiéis a nós mesmos. Por mais doloroso que isso seja, é aí que está a sua cura: no que você evita olhar.

Tenho muita fé que isso tudo está acontecendo no mundo para uma grande transformação de consciência. Uma chance para revermos prioridades. Por mais respeito e incentivo a trabalhar as questões emocionais, que adoecem a gente fisicamente se não olhadas com carinho. Por menos contribuição social à fuga de si e muito mais atenção aos vazios que temos e escolhemos olhar ou adiar a compreensão deles. São eles que irrigam de aprendizado e trazem oportunidades de evoluírmos para o que precisamos curar para enfim, seguir a travessia dessa existência.

Silvia Elmor

Consultoria ESG | Resp. Social das Organizações | Mkt Social | Sensibilização de lideranças | Mentoria para mulheres | Empreendedorismo

4 a

Que testemunho forte e necessário, ufa!! beijos

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