Uma comunidade a serviço da primeira infância

Uma comunidade a serviço da primeira infância

Começo hoje uma série de artigos, aqui no LinkedIn, para falar com você sobre a causa que mais me encanta, me desafia e me move: a primeira infância, esse período incrível que começa na gravidez e vai até os 6 anos de idade. Neste espaço, minha ideia é tratar do assunto dentro do universo empresarial. Falar sobre pais, mães e crianças, políticas públicas, cultura e práticas corporativas, conceitos e pré-conceitos sobre a parentalidade (maternidade e paternidade).

Primeiro gostaria de contar que escrevo este texto no nono mês da minha 2a gravidez. Sou mãe do Arthur, meu menino de 6 anos, e em breve vou dar à luz ao Thomas. Trabalho há 4 anos na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, onde atuo como CEO e lidero uma equipe extraordinária, que se dedica a fazer com que o conhecimento e as políticas de primeira infância cresçam no Brasil. A ciência já (mais do que) comprovou sobre a singular efetividade do investimento econômico nessa fase da vida, mas temos muito a fazer para ampliar a conscientização e adoção das medidas que concretizarão esses benefícios.

Quando entrei na Fundação, eu já tinha conhecimento de que a primeira infância é uma janela de experiências, descobertas e aprendizados que criam as bases para o resto da vida. Também já havia lido sobre a equação do professor James Heckman, Nobel de Economia, cujo cálculo mostra que para cada 1 dólar investido em primeira infância há um retorno de até 7 dólares para a sociedade. Mas aprendi muito mais. Apenas para citar dois números, descobri que 90% das conexões do nosso cérebro são estabelecidas até os 6 anos de idade e que, por isso, a primeira infância é o período em precisamos de mais (e melhores) estímulos — afetivos, intelectuais, físicos e sociais. E que em 1 segundo, tempo de um estalar de dedos, uma criança faz 1 milhão de conexões cerebrais. Um milhão. Isso não vai acontecer novamente em outro período da vida.

Mais do que números, aprendi que esses estímulos são pautados pelas relações positivas, responsivas e afetuosas, e que requerem o que de mais precioso temos – nosso tempo e nossa presença – os ativos do século. 

Esses aprendizados influenciam muito a minha relação com meu filho -- influenciam o modo como eu converso com ele e o cuidado que eu dedico aos momentos que temos juntos. É um exercício diário de colocar a teoria em prática, que requer treino e musculatura, foco e dedicação, amor e paciência – é praticamente implementar um planejamento estratégico, ultracomplexo.

E para além das reflexões pessoais, na Fundação compreendi que é fundamental e urgente reunir forças e investir na primeira infância para mudar a realidade do nosso país. No Brasil, 1 a cada 3 crianças de 0 a 6 anos vive em famílias pobres ou extremamente pobres. Estamos falando em mais de 7 milhões de crianças sem alimentação adequada, com mais propensão a doenças e com menos oportunidades de se desenvolver.

O provérbio africano bastante conhecido, diz que é preciso uma vila para cuidar de uma criança. Nesses meus 4 anos de fundação, entendi que a vila não é só a família, os avós, os tios, os vizinhos, a escola, o posto de saúde, o comércio ao redor da casa. A vila somos todos nós e, sobretudo, os atores chave do nosso sistema: o poder público, o setor empresarial e a sociedade civil organizada.

Todo esse conhecimento teria feito diferença na minha atuação no mercado corporativo. E é exatamente por isso que quero compartilhar tudo com você.

Gosto de pensar na primeira infância como a mãe de todas as políticas públicas. Isso porque ela é a causa raiz de várias causas que mobilizam nossa sociedade. A primeira infância gera impactos positivos transversais. Melhora a saúde, a educação, a segurança pública, a economia pela geração de emprego e aumento da renda, sendo eficaz em quebrar ciclos intergeracionais de pobreza e frear a devastadora desigualdade vivida em nosso país.

A primeira infância precisa ser parte ou estar no topo da lista de causas abraçadas pelas empresas, mas a pauta ainda engatinha na agenda corporativa. Precisamos ampliar esse movimento! No universo ESG, defendo escolhas coerentes, conectadas ao negócio, que dialoguem com os stakeholders e que enderecem problemas concretos. Mas a interdependência das causas e as abordagens sistêmicas são cada vez mais evidentes. Por isso, ainda que as empresas não escolham atuar diretamente na primeira infância podem, e devem, fazer uma ponte com essa causa que é a pedra fundamental de outras tantas, e cujos impactos se relacionam diretamente à qualidade da força de trabalho no futuro, à capacidade de entregar resultados e de se adaptar neste mundo em constante transformação.

Vale um outro destaque: a primeira infância é a melhor e maior oportunidade que a sua organização tem para provar que "as pessoas são realmente seu maior ativo, seu diferencial e sua prioridade". A empresa que quiser fazer isso, precisa mudar os padrões culturais estabelecidos e olhar profunda e cuidadosamente para as necessidades das mães e pais com crianças pequenas. 

Algumas lideranças já compreenderam que a primeira infância demanda pouco investimento e garante retorno significativo, duradouro e eficiente para as empresas. O retorno desse investimento vai além de melhorar o ambiente de trabalho, aumentar a produtividade e reduzir a rotatividade. Adotar práticas focadas na primeira infância também melhora a imagem da companhia e atrai clientes. Mas como implementar isso de maneira prática? Esse vai ser o tema do próximo artigo. Até lá, conte nos comentários: quais são as ações para apoiar pais e mães com filhos na primeira infância adotadas na empresa em que você trabalha?

Christiane Aché

Wide and longlife learner & People connector - Board Member - WOB founding partner | Speaker in Innovation, Strategy, Compliance & Integrity

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Que delícia te ler quase um ano depois ….. conta Mariana Luz como tudo evoluiu desde então !

Silvia Leticia de Faria

Assessor Pedagógico na Secretaria Municipal da Educação de Votuporanga-SP

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Muito bom artigo ! Afinal “é preciso uma vila para cuidar de uma criança”´, precisamos dialogar sobre a importância da atenção à primeira infância e levar informações à todas as esferas. Excelente iniciativa Mariana Luz.

Patrícia Leekninh Paione Grinfeld

Fundadora da Ninguém Cresce Sozinho | saúde mental na parentalidade e na primeira infância

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Que importante poder falar mais sobre a primeira infância por aqui! Parabéns pela iniciativa! Desde a pandemia muito se fala em saúde mental, mas ainda pouco se fala sobre o quanto as relações de cuidados na primeira infância (não apenas as tarefas que envolvem cuidar, mas acima de tudo as trocas estabelecidas a partir do cuidado) são a base da constituição psíquica e, portanto, crucial para a saúde mental desde a mais tenra idade.

Há cerca de 2,5 anos (desde Janeiro 2020) implementamos no Brasil a licença parental estendida neutra de gênero, concedendo até 6 meses de licença remunerada a todas as colaboradoras e colaboradores da Sanofi Brasil. Isto vale para todos os tipos da família e também para filhos adotados até 18 anos. Os relatos sobre a presença dos pais neste período tem sido claros sobre o impacto na saúde das novas crianças que chegam às famílias

Leandro Fonseca

Líder de Parcerias - Solução e integração

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Mariana Luz adorei o artigo. A falta de atenção de empresas às necessidade de pais que tem crianças na primeira infância é explícita e sofrível. Mesmo as empresa que se dizem preocupadas e focadas em pessoas não fazem muito (as vezes nada) para ajudar os pais. A cultura permeada no mundo corporativo não só não protege aos pais que querem dar atenção aos filhos, mas ao premiar a cultura de “hard-working”, que força que os funcionários estejam sempre on-line (ainda mais depois da mudança para home-office) prova que não aceita realmente que os colaboradores/pais se ausentem para participar de atividades na vida dos filhos. Infelizmente essa cultura se espalha pelos colaboradores e acredito que os façam esquecer que há colegas de trabalho que são pis e merecem mais flexibilidade. Eu mesmo já tentei de tudo para bloquear meu calendário durante atividades familiares recorrentes, mas vejo que a cultura das empresas motiva todos a simplesmente agendarem reuniões se sobrepondo a tudo que há nos calendários, colocando então o pai/colaborador na difícil posição de ter que declinar reuniões frequentemente.

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