Vale a pena tentar ser o Cristovão Colombo do Metaverso?

Vale a pena tentar ser o Cristovão Colombo do Metaverso?

Se a origem no Universo é antiga e ainda coberta de mistério, o big bang do Metaverso teve data e local exatos: no dia 28 de outubro de 2021, durante a conferência Facebook Connect, a gigante de tecnologia anunciou sua mudança de nome e seus grandes planos para criar uma “experiência híbrida entre as redes sociais modernas e a imersão em um mundo 3D digital”, gerando uma onda de choque por todo o mercado.

Na mesma semana, apareceram os primeiros experts, cursos e eventos sobre o assunto, e as consultorias especializadas não perderam tempo em projetar que ele seria um mercado de 1,6 trilhões de dólares até 2030. Gestores e empresários em todo o mundo logo ficaram sabendo deste Novo Mundo, e da promessa de riqueza a todos que embarcarem nas expedições capitaneadas pelas Big Techs para conquistar esta terra desconhecida, que também é vizinha de outras ilhas de nomes estranhos, como NFT, Web3, criptomoedas, DeFi, Blockchain e tantas outras do novo continente tecnológico.

Todo dia havia uma nova dupla de nerds que tinham acabado de se tornar cripto bilionários, ou um jogador de futebol comprando um avatar de macaco por milhões de dólares, ou uma outra big tech anunciava seus planos para entrar nesse novo espaço. Loteamentos (?!) foram feitos, terrenos (!?!?!) foram vendidos, mansões e headquarters foram levantados.

O neomercantilismo digital estava lançado.

Até que começou o Tech Wreck e o dinheiro barato dos capitalistas de risco diminuiu rapidamente. As ideias mirabolantes e inovadoras foram preteridas em favor dos negócios lucrativos, e os unicórnios perderam a vez para os camelos.

Quando a água baixou, deu para ver quem estava nu.

O mercado de NFTs implodiu. O valor das criptomoedas despencou, e algumas das mais conhecidas delas viraram pó. Alguém lembrou que a marca Facebook estava vivendo uma crise de imagem e sofria com a perda de usuários.

Os sensores e equipamentos necessários para realidade virtual foram precificados e a passagem para o novo mundo do metaverso custará mais de R$ 25 mil reais. Chegando lá, a coisa não parece tão nova porque os gráficos estão aquém dos de consoles de 10 anos atrás.

 

A inovação

Como gerente de produtos e inovação há vários anos, estou bastante familiarizado com o ciclo de vida de tecnologias e o hype cycle em geral.

O primeiro computador eletrônico, o ENIAC, pesava 30 toneladas e custou o equivalente a 6 milhões de dólares. As palavras de Thomas J Watson, fundador da IBM, na época ficaram famosas: “Creio que haja um mercado global para mais ou menos 5 computadores”.

As tecnologias realmente novas começam muito ineficientes e imperfeitas. Com frequência, é necessário ter o engajamento de “early adopters” dispostos a pagar caro, e que sejam mais tolerantes às limitações, para que as tecnologias amadureçam, e ainda não se sabe até onde e o que mais elas trarão com o tempo.

E isso se é que trarão algo mesmo.

Há dezenas de histórias de “flops” por ai, já que nem toda inovação compensa, assim como há histórias dos primeiros a embarcar em uma nova oportunidade e crescerem exponencialmente com o mercado.

Essa é a questão: seu negócio ou empresa está disposta a pagar a mais para receber um produto não finalizado, e que talvez nunca vingue? Você está?

No fim, a limitação não é a tecnologia, mas a humanidade...


Inovar só por inovar

A digitalização rápida da economia e comportamento das últimas décadas culminou em uma subcultura corporativa distinta, a “startup culture”, e o culto aos empreendedores tech e sua Meca, o Vale do Silício.

Nada mais justo, já que foi dali que surgiram ou amadureceram as tecnologias que definiram grande parte da sociedade digital do século XXI, como microchips, telefone, internet e redes sociais.

Mas, como tudo o que vira moda, o movimento foi se desbotando com o tempo. Repetindo velhos mantras, os startupeiros começaram a virar plágios de si mesmos, arriscando coisas cada vez mais abstratas, e deixando as boas práticas de negócios “normais”, como lucro e eficiência operacional, em segundo plano.

Vendendo o crescimento explosivo como panaceia para seus modelos de negócio falhos e administração frágil, os gurus da inovação ainda trazem a nós, meros empresários e gestores mortais de fora do Vale, discursos cheios de receitas, estratégias e técnicas novas.

O problema é que nem toda empresa tem acesso aos fundos de venture capital e dinheiro barato, nem são participantes de um novo grande mercado que está prestes a decolar, ou mesmo são escaláveis.

Na realidade, o normal é não ser escalável. Para a maioria das empresas, não é possível aumentar receita enquanto mantém despesas, nem empurrar um concorrente totalmente para fora do mercado pelo efeito de “monopólio por padronização”.

Por isso precisamos admitir: há uma divisão clara entre os negócios convencionais, as nossas empresas de serviços, consultorias, clínicas, advocacias e indústrias, e os novos negócios digitais do Vale.

O que serve para um não necessariamente serve para o outro.

O Metaverso é uma jogada de risco, um novo negócio, patrocinado quase que inteiramente por empresas que atingiram um platô e enfrentam dificuldades para continuar crescendo e trazendo mais dinheiro para acionistas. Empresas que tem muito caixa, muitos recursos e pouco espaço para manter o ritmo. São como Companhias das Índias Ocidentais modernas.

Enquanto isso, nossas empresas continuam precisando de coisas muito mais chatas...

 

A criação de valor

Diante das proezas da engenharia e genialidade humanas, é fácil se esquecer o quanto o Homo Sapiens é recente como espécie e como o mundo se tornou complexo muito mais rápido do que o nosso corpo e nossa mente.

Desvendamos a geometria do espaço-tempo e inventamos foguetes que pousam sozinhos. Manipulamos o DNA, reinventamos todo dia novas formas de manipular ondas e energia, esculpimos montanhas e colhemos o poder nuclear do sol.

Mas também temos necessidades básicas ainda muito mal endereçadas.

As maiores queixas das pessoas são coisas muito mais mundanas,  como falta de resolução de demandas de clientes, cobranças abusivas, produtos com defeito, cobrança indevidas e falta de entrega da mercadorias.

Estamos atolados de ineficiências, operações manuais, trabalho de baixo valor intelectual e desperdícios em negócios que já conhecemos há muito tempo, e isso ainda não está perto de ser resolvido.

É muito mais fácil se empolgar pela novidade do que por um problema antigo, mas é precisamente disso que os clientes mais sentem falta e mais se frustram. É ai que eles podem enxergar mais valor.

Não devemos ignorar toda tecnologia que surge, nem nos tornarmos luditas digitais, mas sempre manter um ceticismo saudável sobre o que aparece prometendo revolução. Com tantos problemas que geram milhões de reclamações e prejuízos todos os anos, talvez seja melhor usar nossos suados e caros recursos resolvendo o simples e deixar a colonização do Metaverso para os early adopters que não tem outros problemas mais concretos para resolver.

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