A vida depois do layoff: relatos e reflexões (1/2)
Assistimos à vida depois do tombo e agora o mercado de trabalho experiencia o seu próprio, com os layoffs. Quais as consequências que as demissões em massa tiveram e ainda tem no ambiente corporativo?
(Este é o primeiro de dois artigos que materializam a apresentação que fiz no HackTown de 2024)
Era novembro de 2022 e todos nós aprendemos uma nova palavra que não só entrou no vocabulário corporativo, como ali ficou: layoff. Talvez encará-la assim fosse melhor porque a tradução em português soa mais cruel: demissões em massa. Felizmente, não fui atingido por esse episódio que marcou profundamente o mercado corporativo recentemente. Não fui atingido diretamente, porque aos que ficaram, como eu, houve uma série de impactos indiretos e que vou trazer nesses artigos.
A bibliografia sobre os layoffs, evidentemente, é pequena e com fontes que divergem. Os números que temos são bastante assustadores:
De um lado, as empresas dizem que foi fundamental fazer isso pois as estruturas ficaram inchadas no pós pandemia e foi necessário trazer mais eficiência para suas operações. Uma outra interpretação possível é que muitas indústrias passaram e vem passando por um corte muito agressivo de custos com fins de chegar a uma equação mais saudável em comparação com sua receita.
Muita gente foi demitida e se você não foi atingido diretamente por um layoff e perdeu seu emprego, certamente você foi atingido indiretamente: algum amigo ou conhecido acabou sendo atingido e/ou a empresa em que você trabalha passou por esse episódio e você permaneceu.
Ou seja, de alguma forma, fomos todos impactados e talvez ainda não tenhamos dimensão desse impacto. Esse foi meu ponto de partida, seguido de uma pergunta que sempre me vinha à cabeça: e como seguimos a partir daqui?
Na ausência de pesquisas sobre o tema, resolvi eu mesmo fazer minhas pesquisas para entender melhor o assunto. Meu objetivo era traçar um antes e depois dos layoffs e definir algumas linhas-guia para a evolução do trabalho daqui para frente. Minha metodologia consistiu em rodar um form com pessoas afetadas diretamente pelos layoffs, outro com aqueles afetadas indiretamente e um terceiro form com recrutadores e profissionais de RH. Foram mais de 100 respostas.
Além disso, li muitos estudos e matérias sobre o tema que me ajudaram a quantificar o estado desse assunto, bem como tirar uma temperatura sobre como as pessoas estavam encarando o trabalho.
O que eu descobri?
A começar pelas pessoas afetadas diretamente pelas demissões em massa. Aqui, eu coloco os aprendizado em 4 grandes blocos: 1️⃣ o processo, 2️⃣ o processo de luto e elaboração, 3️⃣ o retorno ao mercado e 4️⃣ a nova relação estabelecida com o trabalho.
1. O processo: um corte frio, rápido e quase sempre via vídeo chamada.
O processo pelo qual os layoffs se arquitetaram foi muito doloroso. Ora sutil, ora anunciado, aqueles que foram atingidos sentiram-se igualmente surpresos. A surpresa era ainda maior nos casos de profissionais bem avaliados, através de ciclos de performance ou mesmo feedbacks recorrentes recebidos de seus gestores.
Agora imagine esta situação: você entra na reunião semanal que geralmente tem com seu gestor e, ao entrar, se depara com uma pessoa do RH. Através de um script, o gestor comunica seu desligamento e a pessoa do RH se encarrega da parte mais prática da demissão: direitos, INSS, exame demissional, etc. Ao sair da videochamada você já não tem acesso ao seu email e canais de comunicação internos.
Duro, né? Mas muitos dos relatos da pesquisa contam uma situação como essa ou muitíssimo parecida.
"Meu gestor direto me informou por call lendo um comunicado oficial, pois meu trabalho era remoto. Depois falei com o RH e no mesmo dia já pediram para fazer o exame demissional. A informação para o time que ficou fiz por teams, realizei meu handover e ao final do dia removeram meus acessos."
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2. Luto e elaboração: após o impacto inicial, momento para processar o fato e se reorganizar.
É praticamente impossível falar de layoff e não falar de saúde mental. Muita gente foi demitida pela primeira vez e teve que encarar não somente uma situação completamente nova, como sentimentos completamente novos. Existem relatos de depressão e de muitas pessoas que passaram a se questionar profissionalmente, pois não houve uma justificativa baseada em performance para seu desligamento.
Logo após o corte, houve uma reação imediata de ir ao Linkedin e contar para a rede de contatos sobre o que aconteceu, colocando-se #OpenToWork. Depois disso, houve uma revisão dessa mesma presença no Linkedin, do perfil, dos conteúdos postados e da própria rede de contatos construída até então. O Linkedin vira, então, um projeto com horas dedicadas para fazer contatos, buscar por vagas, interagir na timeline e, em alguns casos, produzir conteúdos.
"Estranhei ter tanto tempo livre e me culpei nos momentos em que não estava buscando vaga. Depois vi que era incabível passar o dia todo no LinkedIn e organizei a rotina para ter um horário de busca de vagas e, nas demais horas, descansar e fazer coisas por mim."
Os freelas, antes desconsiderados por muitos desses profissionais, viraram a salvação para as contas que continuavam chegando. E em pouquíssimos casos, a demissão foi enxergada como um momento "off", de revisão da carreira, que o profissional demitido utilizou para recalcular a rota e seguir em direção a algo que te trouxesse mais satisfação.
"Eu me cadastrei em alguns bancos de vagas, revisei o meu CV, fiz a minha pasta, que até então eu não tinha, conversei com uma série de pessoas e fui dando o meu melhor em cada entrega para começar, do zero, a montar a minha carteira de clientes como freelancer. Eu busco uma recolocação e participei de algumas conversas, mas foram os freelas que salvaram o meu faturamento nesses últimos meses."
3. O retorno ao mercado: escassez de vagas, diminuição da remuneração e a solidificação do "QI".
Imagina o que acontece quando um contingente altíssimo de profissionais disponíveis, altamente qualificados, se depara com uma escassez de vagas - até porque muitas delas deixaram de existir. A competitividade nunca esteve tão alta. Os profissionais mais sênior tiveram uma sensação de juniorização das vagas e passaram a receber um feedback recorrentemente, de que estavam "super qualificados" para as posições que aplicavam. Nas vagas que sobraram, notou-se remunerações menores, mas uma exigência muito maior.
"O número de vagas diminuiu muito em relação ao início da pandemia. Também percebi que o salário oferecido não tem sido o mesmo. Depois do layoff recebi propostas que pagariam menos do que o meu salário anterior, o que me faz refletir se algumas empresas não se aproveitam da situação para oferecer um salário menor."
E isso teve 3 principais consequências nos processos seletivos: (I) para dar conta da grande quantidade de aplicações, muitas empresas e consultorias tiveram que recorrer à Inteligência Artificial para fazer o primeiro filtro. (II) Nesse contexto, as indicações - ou referrals, como são chamadas nas empresas estadunidenses - ganharam mais importância para ajudar os candidatos para se destacar. (III) E, com isso, os processos ficaram mais longos, complexos, envolvendo, muitas vezes, apresentações / cases para fazer.
"Sinto que o fator mais importante ainda é a indicação, o uso de IA nas etapas iniciais de recrutamento me fez aprender novas coisas para se manter competitivo nos processos. Tem muita gente boa no páreo e por isso muitas vagas nem aparecem pq são ocupadas em uma camada inicial de indicações. E quando abrem temos uma briga grande de ótimos candidatos."
4. Uma nova relação com o trabalho: o trauma não é somente na autoestima, mas na relação com o trabalho.
A gente vinha de um contexto onde CPF e CNPJ pareciam tão alinhados que era muito difícil desassociá-los. Expressões como "vestir a camisa da empresa" ou ter "sentimento de dono" ganharam muita força no ambiente corporativo e se você não praticava isso, era lido como um profissional pouco interessado no trabalho ou que talvez não quisesse tanto assim continuar na empresa.
Ou seja, o trabalho ocupou por muito tempo um lugar central nas nossas vidas, a ponto de ser praticamente impossível dizer quem somos sem referenciar a empresa que nos empregava ou o trabalho que fazíamos. Com os layoffs, criou-se um embate entre empregado e empregador, CPF e CNPJ. Como pedir que alguém vista uma camisa que nem sequer sabemos se será nossa no dia seguinte?
"Aprendi que CNPJ não tem a menor consideração por CPFs e isso fez com que eu passasse a olhar para a minha carreira como algo em constante movimento dentro do mercado. Isso eu não vejo mais, minha carreira, minhas regras."
"Vejo o trabalho com outros olhos, sofro menos com coisas que me frustravam, sempre me coloquei como prioridade, mas percebo que tenho me priorizado ainda mais. Tenho um plano b de carreira. "
Com isso, também instaurou-se um estresse pós-traumático em quem foi demitido, porque o layoff foi uma cisão tão abrupta, tão inesperada, que deixou uma cicatriz que demora a se fechar. Aqueles que foram demitidos dizem se sentir mais desconfiados, mais ansiosos e atentos a quaisquer movimentações internas, temendo uma onda de demissão.
"Me sinto hoje em dia extremamente insegura e com autoestima profissional em baixa total. Sigo na terapia, mas é um assunto que volta e meia bate de forma ruim."
Dos profissionais que foram impactados diretamente pelos layoffs e que responderam a pesquisa, 40% ainda não conseguiram se recolocar profissionalmente.
Mas talvez haja males que venham para o bem: os layoffs provocaram um deslocamento e diminuição da importância que o trabalho tem nas vidas de quem foi atingido e uma consequente recentralização do "eu". Aquele papo de deixar o trabalho na caixa no trabalho. Além disso, alguns encararam esse momento como um empurrão para dar vida a interesses, hobbies e outras práticas que não encontrava tempo nas agendas tumultuadas e que até puderam se converter em práticas empreendedoras.
No próximo artigo, vou explorar quais foram os impactos sentidos pelos profissionais que não foram demitidos, como está o clima e engajamento nas empresas e apresentar os 6 eixos estruturantes do trabalho, fruto de todos esses dados e conversas com recrutadores e profissionais de RH.
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4 mArtigo cirúrgico Rafael! Me sinto apavorada com o mercado atual. Como profissional júnior, entro na gupy e vejo vagas com mais de 2 mil inscrições. Vagas que pedem pretensão salarial antes de informar qual é o real salário pago. Pejotização e todos os outros horrores que a gente vem presenciando. Há algum rastro de esperança em meio a isso tudo? Alguma notícia boa?
Head Global de Marketing | Diretoria de Marketing | Marca | Inovação | Planejamento Estratégico Desenvolvimento de Produto | Sustentabilidade | Advisor de Start up de Impacto | ESG
4 mAchei maravilhoso!
Estrategista Criativo Sr @ Bold | Marketing | Branding | Social Media | Growth | MBA em Gestão de Marketing
4 mArtigo de primeira. Profundo, atual e, principalmente, elucidativo sobre um tema tão delicado. Quem já passou por um layoff sabe como conversar sobre esse assunto pode ser desafiador, tanto profissional quanto emocionalmente. Parabéns pela sensibilidade.
Leading Innovative Marketing Strategies | CMO as a Service | Helping People do Better Marketing
4 mBoa reflexão Rafael! 👏🏼
Mentora de Carreira | Conselheira Governança e Comitês de Pessoas 🚀🤍+300 carreiras impulsionadas em Transição, Recolocação e Aceleração. 🎯🧩+20 empresas transformadas em Mentoria, Outplacement e Onboarding
4 mRafael Camilo, excelente artigo, e de quem experencia a questão. Trago 3 perguntas: a) de fato quem demite hoje, contrata amanhã? Por certo que sim, então estamos falando de "marca empregadora" certo? b) somos ÚNICOS, então é sobre vida e que também é trabalho. Como você se prepara? É verdade vejo cada vez + profissionais trazendo essa premissa nas mentorias. "Não quero passar por isso, como me preparo?. c) fico aqui pensando será que somos mesmo "multitasks"? Estamos preparados para termos e sermos diferentes conteúdos e soluções? E para terminar, é mesmo um grande marketplace esse mundão do trabalho, o ponto é que é sobre humanos, suas emoções e escolhas. E taõ precisa ter e ser de relações + sustentáveis, ou o que estamos deixando de legado? Adorei teu texto.