Voto de camisinha dá falso fôlego às esquerdas com Kalil
No artigo mais esclarecedor que li sobre a postura das esquerdas na eleição de Belo Horizonte, publicado em O Tempo respeitado professor, escritor, médico sanitarista e ambientalista Apolo Heringer Lisboa cunhou a expressão “voto de camisinha” para designar a opção pragmática do entorno do PT e dos pequenos partidos pela candidatura de Alexandre Kalil à prefeitura de Belo Horizonte. Seria:
— O voto precavido, o voto calculado, sem beijo na boca, sem a intenção de procriar. Ou o voto homeopático, de usar um veneno contra um veneno maior, tornado voto consciente, visando abrir um campo, independentemente e apesar do candidato. O eleitor usa o candidato em vez de ser usado.
É como se tampassem o nariz para ir às urnas em nome de uma escolha que pode ser a salvação da esquerda, massacrada nessa eleição. Kalil seria, como diz o artigo, o azarão que por vias pouco ortodoxas que vai abrir brechas para o processo de mudanças na capital e no país, “agora que o PT, em colapso, liberou tantas energias”.
Para formular a equação e exibir certo ar de enfaro imparcial de madame escolhendo peixe na feira, os líderes dessa esquerda em reconstrução chegam a ser duros com o pobre coitado do candidato.
Apolo o chama de livre atirador empresarial, desbocado e de atitudes demagógicas, no que chega ser até uma elegância em comparação aos termos mais pesados que seus afins se utilizam nas redes sociais para defender a mesma postura. É como se mostrassem num espelho a dimensão dos defeitos do outro — “Vejam arranjei um candidato igual o seu” — para não terem que se olhar no próprio espelho.
Tudo para evitar o “veneno maior”, que seriam Aécio Neves e o tucanato, que essa esquerda carimbou há algumas eleições como o protótipo da insensibilidade social. Eventual vitória do tucano João Leite o fortaleceria ainda mais num quadro em que o PSDB sai como o grande vitorioso das eleições e ele precisa mais do que nunca de Belo Horizonte para mostrar força no diretório nacional contra a ascensão da candidatura do seu rival dentro do partido, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Carisma e comunicação
No método, não há espaço para conflito na contradição de verem o mal só de um lado e camuflar todos os problemas de opção das esquerdas por um projeto de governo popular que acabou com a maioria de seus líderes envolvidos em denúncias de corrupção. E transparece pouca preocupação com o tipo de candidato se deve colocar na cadeira de prefeito da terceira capital do país.
O maior problema da opção, porém, é elegerem um candidato de ideias e propósitos diferentes dos seus.
Empresário de resultados, por natureza afeito à livre iniciativa, ao mérito, à redução do tamanho do Estado, Alexandre Kalil tem mais afinidades com a banda liberal do espectro político e menos com os postulados conhecidos dessa esquerda, de democratismo nas escolas, politização da saúde e maior intervencionismo na vida do cidadão e do setor produtivo.
Se eleito, deve fazer poucas concessões a ela, pois não lhe deve sua eleição. Ajudou, mas não foi determinante.
Sua ascensão é puro produto de seu forte carisma, capaz de se comunicar com a maior parte da população com um talento que lembra o de Lula e uma competência rara para transformar em virtude seus piores defeitos. Eleitoralmente, teve talento para navegar na onda que está varrendo os políticos do cenário e vencer até a resistência da maioria da população à sua vinculação com as bandeiras vermelhas, carregando um vice oriundo do PT debaixo do braço.
É certo que sua ascensão e, melhor ainda em caso de eventual vitória, ajuda a liberar as tais “novas energias” que o movimento está precisando e que vão se somar a outras que afloram em outros estados, como no apoio bem sucedido a Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro.
Mas, no que diz respeito à prefeitura, é só isso. É um fôlego curto que não muda em nada a vida de Aécio e nem amplia seu contingente eleitoral, que está voltando a seus patamares históricos, de 20% do eleitorado.
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