Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre a manipulação nos balanços financeiros da Americanas indicaram que o então CEO da empresa, Miguel Gutierrez, tomava medidas para tentar se blindar de uma eventual apuração sobre o esquema e só recebia as versões fraudulentas do orçamento em pen drives entregues em suas mãos.

Gutierrez, que vive na Espanha há um ano, está foragido da Justiça desde a operação da PF na última quinta-feira. Ele acompanhava e participava das fraudes “desde o seu planejamento até a publicação dos resultados”, segundo o MPF. Mas a predileção por pen drives era um ponto fora da curva na alta cúpula da companhia.

As mensagens mostram que os executivos da Americanas discutiam por WhatsApp e por e-mail a inclusão de números falsos nos balanços da empresa para fabricar lucros que não existiam – e para diferenciar os dados reais dos inventados, criavam apelidos, como mostramos na quinta-feira.

A operação de ontem foi baseada justamente em e-mails e mensagens apreendidas pela Polícia Federal e nas delações dos ex-executivos Marcelo Nunes e Flávia Carneiro, que destrincharam o modus operandi da fraude.

O conjunto de planilhas e cálculos que embasavam as diferentes versões do balanço era chamado de "kits de fechamento". Era através deles que Gutierrez acompanhava a evolução das mudanças.

Já as versões fictícias das demonstrações financeiras eram chamadas de v1, v2, v3 e assim por diante, conforme a ordem das alterações. As cartas de fornecedores que eram falsificadas para justificar a inclusão de receitas inexistentes no balanço eram chamadas de "cartas B".

As fraudes foram reveladas em janeiro de 2023, quando a gestão da companhia foi trocada. Na época, o novo presidente, Sergio Rial, anunciou ter descoberto “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões. Hoje os valores estão estimados em R$ 25,7 bilhões.

Por meio de nota, os advogados do ex-CEO disseram não ter tido acesso aos autos e, por isso, "não têm o que comentar". Ainda segundo o comunicado, Gutierrez "reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios".

Para o MPF, o esquema funcionava em duas fases. Na primeira, os executivos incluíam as receitas fictícias no balanço da empresa. Nesse momento, eles elaboraram os “kits de fechamento” e distribuíam entre si para avaliação e eventuais ajustes.

Planilhas e PowerPoint

Segundo o parecer do Ministério Público Federal, os kits eram compostos por planilhas de Excel ou apresentações de PowerPoint, a depender do período e da empresa cujo balanço era alterado – fosse a própria Americanas ou seu braço do varejo digital, a B2W –, com a contabilidade original destas companhias extraída diretamente de seus sistemas.

Após a análise e checagem dos números pelos setores de financiamento e planejamento, o grupo gerava, então, a “versão zero” do resultado com as cifras reais. A partir da inclusão de dados falsos para inflar os resultados, os investigados geravam novas versões do orçamento que eram numeradas conforme cada atualização – v1, v2, v3, v4 e assim por diante, até a versão definitiva que seria apresentada ao mercado.

A segunda fase do esquema de fraude, segundo o MPF, visava gerar caixa para disfarçar a real dívida da empresa com o objetivo de impedir que a outra etapa de adulterações fosse descoberta. O processo se deu primordialmente através de contratos inexistentes de verba de propaganda cooperada (VPC), quando fabricantes de produtos pagam às varejistas pela divulgação diferenciada de seus produtos dentro das lojas, algo comum no mercado.

Esse procedimento era feito através de cartas de verba de propaganda, que nada mais são do que documentos de reconhecimento de créditos emitidos pelos parceiros da Americanas, e que depois eram descontados do valor final das vendas a ser recebido em dinheiro. Com cartas de valores maiores, a empresa podia computar mais receitas e melhorar o resultado.

Nas planilhas enviadas por e-mail, os próprios executivos discriminavam os valores que eram recebidos por meio de cartas de verba de propaganda legítimas – as chamadas “cartas A” – e as abertamente falsas – as “cartas B”.

A expressão chegou a ser usada por escrito em um e-mail enviado pela delatora Flavia Carneiro a Miguel Gutierrez em junho de 2019, prova que consta no parecer do MPF e que, para os procuradores, reforça a tese de que a operação fraudulenta era comandada pelo então CEO.

O documento do Ministério Público destaca ainda que os fraudadores produziram “documentos materialmente e ideologicamente falsos” para embasar as “cartas B” depois que os números provocaram estranheza em auditorias externas.

“A falsificação material de tais documentos demonstra o nível da fraude perpetrada na empresa, indo muito além de uma mera questão contábil”, afirmam os procuradores do caso no documento.

Outra frente do esquema buscava maquiar as operações de risco sacado, mecanismo pelo qual os bancos abrem linhas de crédito para que os fornecedores abatam suas faturas com desconto, e depois cobram o valor da Americanas. É um tipo de financiamento comum no varejo.

Via de regra, o volume de empréstimos feitos nessa modalidade deve aparecer no balanço da companhia como passivo. Mas essas dívidas não apareciam nas demonstrações financeiras pelo menos desde 2016.

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