Americanas: A engenharia da fraude para enganar os auditores dos balanços

Por — Brasília


CEO da Americanas fala na CPI que apura fraude contábil na empresa Brenno Carvalho/Agência O Globo

O parecer do Ministério Público Federal (MPF) que embasou a operação da Polícia Federal desta quinta-feira (27) detalha como os executivos da Americanas montaram um esquema para tentar atrapalhar a atuação de auditores independentes e esconder o grande rombo contábil nos balanços da empresa.

De acordo com os procuradores da República, a engenharia da fraude tinha como peça-chave João Guerra Duarte Neto, então diretor-executivo de tecnologia de informação da Americanas, que “tinha plena ciência das fraudes cometidas e, chefiando os departamentos de tecnologia e informação, era responsável por operacionalizar tecnicamente as fraudes, além de dificultar as auditorias”.

Guerra foi um dos alvos da operação de busca autorizada pela Justiça do Rio.

Segundo os investigadores, a estratégia consistia em criar uma série de dificuldades técnicas e operacionais para os auditores, como a geração de sucessivos arquivos mensalmente, ao invés de reuni-los todos em um único arquivo. “Desta forma, para trabalhar com a seleção de lançamentos, os auditores precisavam primeiramente unificar os arquivos enviados”, aponta o MPF.

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A Americanas também não dava aval ao uso de uma ferramenta tecnológica que permite testes automáticos para auxiliar na auditoria, sob a alegação de que não havia autorização do “Comitê de Segurança Sistêmica”. Detalhe: o tal comitê não existia.

Segundo o MPF, a equipe de tecnologia da informação não apenas criou barreiras para os auditores, como tentou direcionar a atuação deles.

Direcionamento

Como o trabalho de inspeção nos balanços da empresa é feito por amostragem, os auditores procuram priorizar no pente-fino os valores mais expressivos, já que quanto maior o percentual do saldo auditado, mais efetivo é considerado o trabalho.

Dessa forma, os lançamentos fraudulentos eram feitos pela Americanas em quantias menores, de forma a direcionar os auditores para os valores maiores, que seriam os reais.

Outra tática empregada nos bastidores da empresa era fazer um “aumento forçado de linhas” nas planilhas a serem inspecionadas, “já que quanto mais fossem as linhas, mais difícil seria auditá-las”.

A partir das delações premiadas do ex-diretor executivo financeiro da Americanas Marcelo da Silva Nunes e da ex-diretora executiva de controladoria Flávia Pereira Carneiro Mota, os investigadores concluíram que as barreiras criadas contra os auditores faziam parte do esquema para "conduzir a empresa de forma a lançar constantemente ao mercado informações falsas sobre os resultados financeiros”.

O planejamento das fraudes, que se repetiam todos os anos, começava com a elaboração de uma peça orçamentária, que deveria trazer metas e cenários realistas, mas “foi se transformando em peça de ficção”.

O esquema prosseguia numa fase chamada pelos executivos de “fechamento de resultados”, quando eram reunidos documentos em planilhas de Excel e apresentações em PowerPoint com os números contábeis reais, chamados de "kit fechamento".

“Os números originais eram checados pelas áreas de financiamento e planejamento e então era produzida a ‘versão zero’ do resultado, com os números reais da companhia. Após a versão zero, os investigados produziam novas versões do resultado, desta vez com a inserção de informações falsas, para aproximar o resultado que seria divulgado ao mercado do valor estabelecido no orçamento”, aponta o MPF.

Novas versões do resultado iam sendo adulteradas até a elaboração da peça definitiva, que seria divulgada ao mercado. Com as manobras, um prejuízo de R$ 46,9 milhões poderia se transformar em lucro de R$ 18,3 milhões, por exemplo.

Como os números contábeis originais eram extraídos diretamente dos sistemas Oracle, no caso da B2W (empresa de varejo resultante da fusão entre Americanas e Submarino), a equipe de TI auxiliava até na confecção de “telas fictícias” do sistema para enganar os auditores.

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Em nota, a defesa do ex-CEO Miguel Gutierrez informou que não teve acesso aos autos e “por isso não tem o que comentar”. Ele afirma que “jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”.

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