Deslealdade e Medo

Deslealdade e Medo

A Proposta do Orçamento do Estado para 2023 não é diferente daquilo que certamente muitos esperariam: uma tentativa de reforçar as condições dos cidadãos para enfrentar os tempos adversos que estamos a viver e que continuaremos a viver em 2023, ao mesmo tempo que se procura manter a economia em crescimento através do investimento e da iniciativa das empresas.

Na sua essência a Proposta não poderia ir muito mais além do que foi naqueles objetivos sem causar estragos nos desejáveis equilíbrios orçamentais internos e no respeito das exigências e limites comunitários. E, também, não se diga que a inflação prevista no Orçamento é otimista – entre muitos o próprio Presidente da República – quando o governo se funda, como não poderia deixar de ser, nos seus próprios estudos e nos das instituições nacionais e internacionais de referência para o efeito (situando-se os 4% dentro dos limites dos estudos divulgados por estas instituições).

Porém, a característica negativa mais marcante desta Proposta está fora dela: é a deslealdade do governo para com os cidadãos ao procurar ‘vender-lhes’ uma ficção de melhoria de condições. Já Fernando Pessoa dizia que «O público não quer a verdade, mas a mentira que mais lhe agrade». Mas nem o Poeta diria o mesmo em matéria de rendimentos e economia.

A par da deslealdade, o outro sentimento que perpassa por este orçamento é o medo que se traduz na falta de audácia (bem lembrada no 5/10 por Carlos Moedas) e de vontade do governo em avançar com medidas/reformas fiscais com impacto estrutural, limitando-se a um punhado de medidas avulsas que em pouco ou nada contribuem para reforçar a competitividade, dinamizar a economia e contribuir para um crescimento sustentado. Nem o conforto da maioria absoluta serviu para gerar uma nova atitude do XXIII Governo, parecendo que, afinal, nada aconteceu no que respeita à responsabilidade política pela iniciativa legislativa em resultado do último escrutínio eleitoral.

Esperemos ao menos que a execução orçamental, particularmente no que respeita ao investimento, permita conseguir no terreno o que, manifestamente, não passou para o papel. É que, sem descurar a sua importância, o Orçamento traça o plano e os limites financeiros e fiscais da ação governativa, mas o que verdadeiramente importa no quotidiano das famílias e das empresas é o modo como lhe é dada execução.

Esperemos para ver (com pouca confiança)!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Fernando Castro Silva

  • Perplexidades fiscais

    Perplexidades fiscais

    Para além da apatia fiscal que este orçamento representa, como tivemos ocasião de referir em post anterior, numa área…

    7 comentários
  • Orçamento Poucochinho

    Orçamento Poucochinho

    Dissemos num post anterior a respeito das anunciadas medidas fiscais propostas pelo maior partido da oposição: «Uma…

  • Menos habitação

    Menos habitação

    Seria bom conhecer as estimativas de Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local (CEAL) a pagar pelos…

    11 comentários
  • DesTAPem os 500.000€ (aliás 725.000€)

    DesTAPem os 500.000€ (aliás 725.000€)

    O direito ao recebimento de uma compensação fixada consensualmente em virtude da cessação de um contrato de trabalho ou…

    7 comentários
  • Incentivo à Capitalização das Empresas em 2023 … não, só em 2024!

    Incentivo à Capitalização das Empresas em 2023 … não, só em 2024!

    Não sei se sou eu quem já não percebe nada disto! Provavelmente será, pois, com quase 40 anos de advocacia, e outros…

    2 comentários
  • Continuemos a (tentar) ser sérios!

    Continuemos a (tentar) ser sérios!

    Esta é a evolução dos preços do crude nos últimos 25 anos. É característica comum destas séries estatísticas o…

    2 comentários
  • Sejamos sérios!

    Sejamos sérios!

    Este é o mapa europeu da tributação dos lucros das sociedades consideradas as taxas e sobretaxas que incidem sobre os…

    2 comentários
  • Inoportunidade orçamental

    Inoportunidade orçamental

    No meio de uma quase ausência de alterações do panorama normativo fiscal, o que não deixa de ser em geral uma boa…

  • PÓS-COVID-19: Que medidas fiscais

    PÓS-COVID-19: Que medidas fiscais

    O artigo do Tiago Cassiano Neves no Jornal de Negócios é um mostruário elucidativo das ferramentas que o legislador tem…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos