Inoportunidade orçamental
No meio de uma quase ausência de alterações do panorama normativo fiscal, o que não deixa de ser em geral uma boa prática orçamental, eis que o Governo decidiu quebrar o jejum legislativo para derrogar uma regra histórica do sistema fiscal respeitante à não tributação em IMT (anteriormente na sisa) da transmissão de partes sociais de sociedades anónimas imobiliárias.
Embora já se adivinhasse a intenção desde o alargamento da incidência operada em 2016 relativamente à transmissão de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário fechados, a verdade é que, segundo creio, ninguém esperava semelhante medida neste momento.
Sem discutir a bondade da medida, é confrangedora a falta de oportunidade da mesma. Num momento em que a economia definha e em que um dos setores mais resilientes e que mais tem contribuído para o crescimento económico – diretamente e pelo efeito multiplicador que consabidamente ostenta sobre outras áreas da atividade económica como a construção, o turismo e o comércio -, o Governo interfere inopinadamente paralisando-o ou obrigando-o a reequacionar investimentos, acordos já estabelecidos e negociações em curso. E, fundamentalmente, a dar razão aos que acusam o sistema fiscal português de instabilidade e imprevisibilidade.
Sem justificar a oportunidade da medida o Relatório da Proposta de Lei do OE 2021 refere que “a eliminação das ações ao portador e a criação do registo do beneficiário efetivo tornam possível eliminar uma desigualdade de tratamento que tem sido aproveitada para fins de planeamento fiscal abusivo.”
E qual é o poderoso efeito desta medida na receita do IMT para 2021? 12 milhões de euros, a crer que todo o aumento da receita deste imposto se deve a este instrumento de combate ao planeamento!! O mercado e o País perderão muito mais se a medida prosperar.
Ainda vai o Governo a tempo de eliminar esta proposta e deixá-la para uma altura em que a economia tenha a capacidade para a absorver. É dos livros que certas medidas fiscais só devem tomar-se quando os setores estão 'bull' podendo até constituir um elemento de arrefecimento da atividade prevenindo a formação de bolhas especulativas e males maiores. No momento que vivemos não é certamente o caso.