Perplexidades fiscais

Perplexidades fiscais

Para além da apatia fiscal que este orçamento representa, como tivemos ocasião de referir em post anterior, numa área, a fiscal, que constitui um último reduto de liberdade orçamental dos estados na União Europeia, não podemos calar algumas (haveria mais) propostas de alteração que nos deixam, verdadeiramente perplexos. Se não vejamos.

1ª perplexidade: Isenção da gratificação de balanço

A Proposta de Lei prevê a isenção de IRS, com limites, das participações de lucros distribuídas aos trabalhadores. O reverso desta medida significa que todos os trabalhadores das empresas que não registem lucros contabilísticos, provavelmente uma parte largamente maioritária das empresas que constituem o nosso tecido empresarial, não terão acesso a esta medida! O que justifica tão grosseira discriminação vinda de um governo apoiado por um partido da área da esquerda? Que sentido para que os trabalhadores das empresas com lucros tenham acesso ao benefício e não os demais? Não queremos acreditar que se trata de uma benesse dirigida a alguns setores mais favorecidos pela conjuntura económica!

2ª perplexidade: A habitação como remuneração em espécie

A proteção fiscal dos beneficiários de habitação facultada pela entidade patronal já tarda há muito sendo uma reclamação justa de muitas empresas e trabalhadores deslocados por razões de empregabilidade. Reforça-se a necessidade com a crise vivida no domínio da habitação e, também, com a crise de recursos humanos que se faz sentir em muitos setores da atividade económica.

Mas por que razão a casa tem de ser “fornecida pela entidade patronal”? Existe alguma razão economicamente válida para se exigir que uma empresa, de qualquer setor da atividade, adquira casas para fornecer aos seus trabalhadores? Eventualmente sobreaquecendo ainda mais o mercado da habitação? Por que não generalizar a isenção de IRS e de taxa social única a rendas pagas pelas entidades patronais em substituição dos trabalhadores-inquilinos, com limites estabelecidos com base no valor da renda e do rendimento do beneficiário?

3ª perplexidade: Atualização dos escalões do IMT

Os escalões do IMT ‘estancaram’ entre 2011 e 2023 !! Considerará o governo que a atualização dos escalões realizada em 2023 e a agora proposta para 2024 repõe alguma ‘verdade’ à progressividade deste imposto? Quando se sabe que, segundo dados do INE, o índice dos preços da habitação variou de 105,45 no 1º trimestre de 2011 para 198,55 no 1º trimestre de 2023! E segundo os dados disponíveis da Pordata entre 2011 e 2019 a receita de IMT duplicou (de 500M€ para 1MM€)! Como se pode ignorar (ou não!) que num imposto que recai sobre determinado bem em concreto a aplicação das taxas gerais de inflação (ou nem isso) permite repor a ‘verdade’ da tributação?

Do que se trata, portanto, é que, não obstante o aumento dos escalões, estamos diante de um continuado aumento efetivo e brutal da tributação sobre um bem cujo acesso constitui um direito fundamental dos portugueses e que até parecia ser uma nova ‘paixão’ do governo.

4ª perplexidade: Residentes não habituais

Não me filio nos incondicionais deste regime de favor fiscal, sem que deixe de lhe reconhecer vantagens. Mas a forma como o governo decide (se é que decidiu!) abater overnight o regime, sem reconhecer ou salvar alguns dos seus méritos, é absolutamente incompreensível e deixa-nos, de facto, perplexos.

O regime dos residentes não habituais fornece ao governo um conjunto de ‘comandos’ que lhe permitem o phase out do regime sem agitação social e com menor dano sobre a imagem de estabilidade e confiabilidade do país e das suas instituições.

Através da alteração da composição da lista de profissões consideradas de elevado valor acrescentado, da elevação para novos residentes da taxa flat de 20% sobre rendimentos do trabalho ou da taxa flat de 10% sobre pensões, da continuidade da aplicação do método da isenção sobre rendimentos oriundos do exterior (sem impacto fiscal relevante para Portugal), o encurtamento da duração da aplicação do regime para novos residentes, ou de outras medidas de transição, teria sido possível um soft landing do regime que desta forma abrupta se torna um atentado à estabilidade fiscal e à imagem externa do país num domínio em que, como é público e notório, Portugal se tornou ‘cabeça de cartaz’ nos rankings e na imprensa de todo o mundo e, agora, pelas razões inversas.

O rol de perplexidades não fica por aqui. Seria bom que se atentasse no que se pode considerar verdadeiros ‘disparates fiscais’ na ótica da política fiscal (ou da falta dela!) e se deixasse de procurar fazer propaganda rasteira através desta quase única ferramenta de política económica e orçamental.

Sempre certeiro e rigoroso, muito bem Fernando!

José Pedroso de Melo

Tax and Business Lawyer | Of Counsel at TELLES

1 a

Muito bem.

Marta Graça Rodrigues

Partner Corporate, M&A and Capital Markets at Garrigues

1 a

E a eliminação da tributação a 5% das mais-valias na reabilitação urbana ? E as expectativas legitimamente fundadas na lei de quem fez avultados investimentos em reabilitar, licenciou e iniciou a reabilitação contando com essa tributação que agora é eliminada?? Não ouço ninguém falar sobre isso. Só sobre os estrangeiros que perderam o seu regime especial …

Tiago Cassiano Neves

Managing Partner @ Kore Partners / Lawyer / Certified Digital Asset Advisor (CDAA)

1 a

Sempre muito bem! Existe uma confusão na cabeça dos nossos políticos que já dura à muitos anos que é - política fiscal faz-se ajustando normas fiscais no Orçamento do Estado. Não, isso não é política fiscal pois sabemos muito bem como essas medidas são desenhadas e pouco pensadas. Admirem-se depois das preplexidades…

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