Dia da Consciência Negra ou Humana?
Quanto ao Dia da Consciência Negra celebrado no Brasil em 20 de Novembro, até o momento, nunca tinha ficado tão claro em minha mente a importância não necessariamente deste dia, mas de todo o pensamento e polêmica que isso levantou desde que foi criado. Ao mesmo tempo em que é triste ouvir depoimentos de diversas pessoas negras, que sofreram e sofrem discriminação em todas as áreas de suas vidas, também é muito importante, também é uma conquista para a civilidade humana, dar voz aqueles que não tinham voz, e viviam sob a verdade imposta através da violência de seus algozes.
Tentar compreender o racismo no Brasil pela ótica do que ocorreu com os negros norte-americanos, principalmente no séc. XX; é algo que não se enquadra no cenário brasileiro, nem nas mudanças imediatas de reparação que se fazem necessárias. Espero que por aqui não seja necessário pegar em armas como fizeram os Panteras Negras ou o assassinato covarde de lideres da causa como ocorreu com Martin Luther King e Malcolm X. Mas percebo que as mudanças que antes eram muito lentas, hoje ocorrem na velocidade do mundo globalizado. Os negros brasileiros estão dispostos a tudo por sua liberdade civil, por sua liberdade de ser humano; esse tipo de revolta chegou a um ponto inevitável, é o fim de uma mentalidade que sempre se afirmou em preconceitos, e hoje a cada dia que passa a ciência desbrava novos campos e descortina os véus da ignorância; permanecendo neles quem quiser, ou for incapaz de libertar-se da alienação, e da banalidade do racismo disfarçado e infiltrado em todas as instituições da sociedade brasileira. “Pela primeira vez na história deste país” os negros são a maioria nas universidades públicas, esses são dados que acabaram de ser divulgados pelo IBGE. Isso significa negros: advogados, médicos, psicólogos, empresários... Isso é representatividade, é algo que faz muito bem para a autoestima das crianças negras que passam a ter outras referências para suas vidas, não apenas a figura da empregada doméstica, o gari, o jogador de futebol. Isso faz toda a diferença e atesta o nível de segregação de uma sociedade.
Um novo Brasil começa a nascer para o mundo, o Brasil negro que só existia na mídia através da Globeleza ou dos jogos de futebol, agora passou a ter voz em toda a sua pluralidade intelectual. As estatísticas mostram praticamente um Brasil dividido ao norte por negros e ao sul por brancos, mostram a falta de representatividade entre os políticos, mostram os jovens negros marginalizados sendo executados diariamente, mostram o abismo da concentração de renda e muito mais de uma realidade sinistra.
Durante as manifestações do Dia da Consciência Negra por todo o país deste ano de 2019, foi na Câmara dos Deputados o ato que causou mais polêmica. O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), revoltado com a charge em uma placa que mostra a imagem de um jovem negro morto por um policial, quebra a placa, violando o direito de manifestação e ferindo a frágil democracia que parece escorrer pelo ralo da corrupção e autoritarismo. Muitos já morreram por causa de uma charge, um exemplo foi o ataque terrorista a sede do jornal satírico Charlie Hebdo em Paris, que deixou 12 mortos e 11 feridos no dia 07/01/2015. Pessoas ortodoxas estão dispostas a matar quando se sentem ofendidas, mesmo que por uma charge. Parece que o deputado quis claramente surfar na onda conservadora que infesta o Brasil, fazendo disso palanque eleitoral. Todos sabem que policiais ganham pouco, mas isso não justifica o abuso de autoridade nem dá carta branca para matar. Imagine se todos os que são mal remunerados em seus trabalhos resolvessem agir como alguns policiais descontrolados, atacando de forma desproporcional os patrões ou outro bode expiatório qualquer. O Dia da Consciência Negra acabou com uma parte da sociedade gritando: – “Dane-se o Dia da Consciência Negra, não se pode ofender a categoria dos policiais que arriscam suas vidas para nos proteger.” Se os policiais estão correndo risco de vida nas ruas, pelo menos estão armados e treinados, além de receberem por isso, mesmo que ainda não seja o ideal. A meu ver a charge só ofende aqueles em quem o chapéu serviu. Tirem suas próprias conclusões, se conscientizem.
IMAGEM: Placa de exposição da Câmara quebrada pelo deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) — Foto: Gabriela Biló / Estadão Conteúdo