Consciência Negra 'Made in Brazil'
Assim como fevereiro é o mês da história negra nos Estados Unidos, o Brasil celebra em novembro a Consciência Negra. A questão racial desses países se assemelha na cor das vítimas - e para por aí. A história da segregação de pessoas negras estadunidenses, por meio do apartheid oficial, fez com que o racismo daquele país se diferenciasse do nosso apartheid social, econômico, educacional e político, criando realidades diferentes, embora vítimas do mesmo mal.
Temas como identitarismo, colorismo e até o tal racismo estrutural, todos adjetivos criados pelos irmãos do Norte, confundem o sentido em um país como o nosso, onde a miscigenação potencializada pelo projeto do embranquecimento e a neoevangelização negra, principalmente nos rincões esquecidos economicamente, impõem regras próprias do jogo racial brasileiro. Dependendo do estado, da periferia e da condição social, o racismo é apenas um detalhe diante da fome, da saúde mental e das violências sofridas cotidianamente pela população negra.
Neste cenário, a hipocrisia racial impera. Assistimos a um número cada vez maior de brancos se passando por negros e ocupando vagas nas universidades - algo impensável no racismo dos EUA. No campo politico, não vislumbramos uma candidatura negra à Presidência da República nem nos próximos 50 anos; o Congresso é carente de lideranças negras nacionais; no Executivo federal, se somadas, as pastas ocupadas por ministros negros não igualam o orçamento do desconhecido Ministério da Gestão e Inovação - lembrando que Igualdade Racial dispõe da menor cota da Esplanada: R$ 163 milhões para 2024; na outra ponta está a Previdência, com seus R$ 935 bilhões.
As injustiças raciais estão estruturadas até na própria Justiça. Nossa Suprema Corte não tem um ministro negro, situação vista com normalidade! Falamos da maior nação negra fora da África, percentual diferente dos irmãos do Norte, que não ultrapassam 13% da população e inclusive já elegeram um presidente da República negro.
Mas a hipocrisia do racismo não se restringe apenas às instituições públicas: a sociedade civil espelha as mesmas chagas. Direções de empresas privadas, conselhos e até a presidência de clubes esportivos todas essas estruturas são comandadas por pessoas brancas jurando veementemente, principalmente neste mês, que não são racistas.
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não se esconder atrás de siglas ou termos que aqui mais servem para justificar o racismo que solucioná-lo. Não basta se autodenominar antirracista: é necessário se envolver na luta, formando seu sucessor negro; incluir pessoas negras no seu setor de trabalho; doar seu tempo à causa da igualdade e entender que o fato de ter um amigo, um irmão, um parente ou um prestador de serviço negro não o isenta de ser racista ou de lutar contra o racismo.
Artigo publicado na Folha de S.Paulo