"Fabricante de carroça" é a senhora sua mãe
Cada vez que ouço um jornalista repetir que somos “fabricantes de carroças”, tenho de vontade de sair no braço. Ainda bem que fica só na vontade. Tenho escutado isso com tanta frequência que, se resolvesse partir pra ignorância, não teria mais nenhum amigo na categoria. E teria apanhado muito também. O fato é que essa autoimagem depreciativa me incomoda bastante e, acredito, prejudica muito mais nosso futuro do que a internet, as fake news, o WhatsApp e a permanente falta de investimentos no segmento. Quem se vê como um “fabricante de carroças” num mundo de automóveis já destruiu o próprio futuro. Nada mais importa. É a tal da profecia que se autorrealiza.
Sempre fui um “revisteiro”, meus heróis culturais são “revisteiros” e, por isso, coleciono histórias de “revisteiros”. Todos eles inventaram publicações a partir do nada, usando, quase sempre, apenas suas habilidades e o capital intelectual. Os investidores e anunciantes só vieram depois, atraídos pelo potencial da ideia. Isso, por definição, se chama “economia criativa” e é nesse setor que nós estamos inseridos. No entanto, quando todo mundo começa a repetir que a “economia criativa” é o futuro, o que nós fazemos? Hein? Saímos por aí dizendo que somos “fabricantes de carroças”. Não dá. Não funciona.
O que sempre moveu gente como Harold Ross, Graydon Carter, Hugh Hefner, Harvey Kurtzman e uma infinidade de outros “revisteiros” foi o desejo de antecipar tendências e apresentar sua visão de mundo. Toda publicação é um recorte da realidade, um universo particular, único e original. Revistas moldam e mudam a história. “Playboy”, por exemplo, publicação que comandei durante sete anos, foi agente e cronista da revolução de costumes nos anos 50, ousadia que se repetiu aqui, a partir de 1978, ainda sob a ditadura militar. E “Playboy” é apenas um agente transformador numa lista que inclui “O Pasquim”, “Rolling Stone”, “New Yorker”, “Spy”, “Vice”, “Mad”, “Loaded”, entre uma infinidade de outros produtos da economia criativa.
O grande desafio que nós, jornalistas, temos de encarar não é a internet, é a autocrítica. Nossas publicações continuam tão criativas como foram há, digamos, 30 anos? Nós apresentamos um conteúdo tão surpreendente que é capaz de tirar o cliente da frente do Facebook, do WhatsApp, do Netflix e do PS4? Afinal, a nossa concorrência não está na banca, que também luta para sobreviver, mas em todo lugar. É uma disputa por atenção.
Vamos falar da “Esquire”, por exemplo, que foi o berço do new jornalism sob o comando de Harold Hayes entre 1963 e 1973. A publicação masculina mais instigante da história é, hoje, uma espécie de “figurino” para homens. Apenas um catálogo de ternos, sapatos e cremes para besuntar o bíceps depilado. Custo a acreditar que no mundo caótico e desafiador de 2018 tudo o que interessa ao homem sejam roupas de grife e ideias vazias. O leitor virou um cabeça-de-vento ou o editor só se preocupa em manter a “carroça” andando?
Encham as redações de iconoclastas ousados e rebeldes irreverentes, colegas. A caretice e o conformismo nos colocaram nesse buraco, mas pode ter certeza: eles não vão nos tirar de lá.
Texto originalmente publicado no Portal Imprensa.
Independent photography,professional.
6 aContinuo na fotografia,trabalhos mais autorais.Boas festas e um novo ano super positivo,ABS GamaJunior
Produtora de conteúdo, jornalista e gestora em Comunicação | RV Content
6 aConcordo totalmente!