Fique em casa..................
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Fique em casa..................

Fique em casa.

Quantas vezes você ouviu essa frase nos últimos 60 dias?

Eu sou a favor da retomada da economia. Mas depois de ontem, eu também vou te pedir pra ficar em casa.

Não perdi nenhum ente querido, nenhum amigo, conheço apenas 1 pessoa que pegou o vírus e já se recuperou.

Te peço para ficar em casa para não ver o que eu vi na rua.

Saí para caminhar na hora do almoço. Precisava tomar um ar, oxigenar meu cérebro, me mexer, pensar em novas formas de fazer a mesma coisa. Preservar minha sanidade mental. Minimamente.

Logo ao virar a esquina vi uma senhora deitada debaixo da marquise de uma loja de móveis que está fechada. Idosa, provavelmente do grupo de risco, dormindo ao relento. Se de dia estava frio, imagina à noite? Será que ela comeu? Alguma coisa? Qualquer coisa? Será que alguém doou alguma coisa pra ela? Uma moeda, um pão, um prato de comida?

Entre a farmácia e o mercado, que ficam um de frente pro outro, dois jovens. Pretos. Um pedindo um trocado, o outro vendendo bombom pra ajudar a amiga a pagar o aluguel. Jovens. Enquanto pedem tá tudo certo. Me pergunto como vai ser quando o desespero ficar maior.

Um senhor ficou na porta do meu prédio o dia inteiro. Um senhor. Sentado. Olhar vago, desolado, sem um pingo de esperança.

Ouvi um programa de rádio onde o apresentador dizia o seguinte: o Carrefour continua aberto, a DrogaRaia continua aberta. Serviços essenciais. Serviços essenciais para quem tem como pagar por eles. O bar do Paulão, copo sujo, cerveja gelada, que abrandava o cansaço da galera que rala no centro e, no fim do expediente, servia um arroz com ovo pra família que não tem onde morar, tá fechado. Pra quem não tem como pagar um pão no mercado, o Paulão é essencial. E, quando as coisas voltarem, pode ser que o Paulão não esteja mais lá porque não conseguiu honrar o aluguel.

Ou seja: a quarentena é pra quem pode pagar por ela. Quem não pode, o motorista de ônibus, a atendente da farmácia, a faxineira do mercado, essa turma tá toda ralando, se expondo, se arriscando e voltando pra uma casa de 20m² onde se aglomeram os seus. O marido, os filhos, eventualmente a mãe e a sogra. Isso se ela tiver sorte. Isso se ela não for vítima de violência doméstica. Isso se ela tiver um emprego, uma fonte de renda.

Se não, ela vai virar estatística. Do COVID? Não necessariamente. Ela vai virar estatística de feminicídio, de abuso, da fome, de suicídio, de violência, de desespero, do tráfico, de bala perdida.

Então é muito fácil falar de quarentena, apoiar lockdown, do jardim com grama verde e fofa da sua casa de campo, com os seus filhos de barriguinha cheia.

"Ah, países da Europa fizeram e mesmo assim morreram milhões." Sim, de COVID. E quantos morreram de fome, de violência? Poucos. Porque o governo subsidia. No Reino Unido o governo dá 2.500 libras por mês para que os cidadãos passem por essa com tranquilidade. Na cidade mais cara, que é Londres, este valor é perfeitamente plausível.

Aqui? R$600,00 pra quem teve a sorte de ser contemplado. Quem não teve que lute! E que lute também contra os espertos que não precisam da grana e estão recebendo.

Então, realmente, se puder, fique em casa. Porque sair na rua e ver essa realidade triste e que piora a cada dia tá difícil demais. Tá indigesto, dá nó na garganta, dá vontade de chorar, dá desespero, traz desesperança, faz muita coisa perder o sentido.

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