Futebol, religião nacional
No livro À Sombra das Chuteiras Imortais, Nelson Rodrigues (meu escritor favorito e o melhor cronista popular nascido na Via Láctea até o momento) narrou diversos momentos apoteóticos em Copas do Mundo. A tragédia na copa de 50, a superação na copa de 58 que imortalizou um tal Edson Arantes do Nascimento como "rei do futebol" na crônica O Triunfo do Homem, o assalto à mão armada dos ingleses na copa de 66 descrito no texto A Copa do Apito; existe justiça no futebol? Óbvio que não. O nosso esporte favorito já possui status de religião, e abaixo direi o porquê.
O futebol é a religião mais cultuada que existe no Brasil. Seus adeptos se encontram espalhados por todo o país, de Norte a Sul, da metrópole ao interior, e a paixão é a mesma. Seja num templo grande como Flamengo, Bahia e São Paulo, ou num menorzinho como Nova Iguaçu, Ipatinga e Novo Hamburgo, os fieis estão lá, fervorosos, não perdem uma celebração sequer.
Há quem diga já ter presenciado milagres, como os vascaínos na final da Copa Mercosul de 2000 contra o Palmeiras. Quem diria que o Vasco viraria a partida para 4 a 3, depois de começar perdendo por 3 a 0? E quem imaginou o Internacional vencendo o Barcelona no mundial de clubes com gol de Adriano Gabiru? A fé realmente remove montanhas, é só fechar os olhos e ver. A emoção de gritar “Goool!” faz a vida sofrida de muitos valer a pena.
Não se sabe ao certo a origem desse culto, dizem os antigos que se iniciou na Inglaterra do séc. XIX. O certo é que em nenhum outro lugar do planeta tomou as dimensões como aqui. A cada geração um altar diferente é erguido e surgem novos deuses como Zico, Marta, Neymar e Nilton Santos, que concedem bençãos a uma humanidade perdida em violência, corrupção e toda sorte de mazelas.
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Mas nem sempre as divindades ouvem o clamor do religiosos. Tragédias como a final da Copa de 50, a derrota para a Itália na Copa de 82 e a fatídica semi-final da Copa de 2014 nos mostraram que estamos fadados ao sombrio destino dos mortais, ninguém escapa da dor e do sentimento de abandono. Do mais rico ao mais pobre, todos se abraçam e sentem pela primeira vez empatia pelo próximo.
Maracanã, Serra Dourada, Fonte Nova, Pacaembu e tantas outras arenas de guerra espalhadas por aí, palcos de risos, sustos e lágrimas, onde muitos entram como sujeitos comuns, e saem como imortais; tal qual o titã Atlas que carrega o mundo nas costas, assim é a existência daqueles que escolhem o caminho tortuoso dessa religião que estabelece uma linha nada tênue entre o sagrado e o profano. Qualquer devoto pode vir a tornar-se sucessor espiritual dos velhos deuses, mas ou você morre como herói, ou vive o suficiente para se tornar o vilão. E a consagração - para o bem ou para o mal - no futebol vem do único lugar possível: do povo. Para não deixar dúvidas que deuses e homens veem um ao outro num reflexo das águas de Narciso e frequentemente se afogam, seja de tristeza ou de alegria.
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