Identidade x massificação

Identidade x massificação

Ao fazer paralelos entre marcas e pessoas, nos desafiamos a entender mais do mundo complexo e apaixonante da identidade. Um lugar onde estudos acadêmicos apontam contradições, paradoxos e tensões entre as grandes ondas contemporâneas e a busca genuína de cada um de nós pela nossa singularidade.

Nesse mergulho no tema, encontramos uma era em que a evolução digital derruba fronteiras relacionadas ao compartilhamento de informações e exportação de cultura.

Uma sociedade na qual o processo de globalização não parece apenas aproximar sociedades e nações, mas também atuar num processo amplificado de massificação. Afinal, no contexto de interações digitais compartilhadas globalmente – como redes sociais, redes streaming, agências e redes de notícias -, se estabelece um processo de unificação por interesses, vontades, predileções e anseios.

Nesse contexto, cria-se um paradoxo: como se estabelecem as interações mais autênticas, como surgem as expressões mais singulares de identidade, entre os 8 bilhões de pessoas, num mundo cada vez mais direcionado por máquinas inteligentes que deduzem comportamentos e atitudes, ditam tendências que atravessam contextos locais, padronizam a estética e, por que não, aglutinam a mesmice?

Se cada pessoa é singular e única, ao distinguir-se dos outros seres com quem compartilha a existência em seus diversos aspectos, comportamental e cultural, também é singular na hora de estabelecer qualquer tipo de relação social, seja ela amorosa, de consumo e até de busca por entretenimento e diversão.

Compreendendo-se que existe essa relação paradoxal entre os valores centrados no indivíduo, como as subjetividades das inúmeras maneiras de expressão singular – na arte, na cultura, na comunicação e nas relações pessoais – com mundo de massificação que se constrói ao nosso redor, é possível sentir uma certa tensão entre dois polos: a organização das instituições sociais, sejam elas espontâneas, sejam elas reguladoras ou operacionais, e as formas individualizadas e espontâneas de desenvolvimento do ser.

Afinal, há na superestrutura que permeia as relações sociais, e nisso podemos incluir cultura, política, direito civil, arte, meios de comunicação e ideologia, um potencial aglutinador e, consequentemente, padronizador dos indivíduos. O tal processo de massificação, que se ramifica em diferentes aspectos interligados, pois é possível a cada indivíduo ser influenciado, em sociedade, por vários signos sociais distintos, não tendo em sua formação apenas um simples conceito de “natureza humana”.

Para o psicanalista Erik Erikson, influências não apenas culturais, mas também intrapessoais (capacidades inatas e características adquiridas) e interpessoais (descobertas nas relações com outras pessoas) moldam o indivíduo. O psicólogo Jerome Bruner segue uma linha similar ao dizer que “o encontro da singularidade com os discursos sobre os processos cognitivos ocorre quando a subjetividade, a contingência histórica do sujeito, a cultura e a linguagem deixam de ser ‘aspectos’ ou ‘fatores’ da cognição e passam a ser condição para a possibilidade de compreensão do sujeito cognoscente”, ou seja, que tem consciência de si mesmo.

Assim, se entendemos as padronizações sociais como um desenvolvimento em larga escala, com a garantia de reprodução e de repetição de um estilo que seja mais funcional e menos criativo, começamos a compreender o indivíduo como unidade singular e subjetiva, exatamente por reunir em si dois aspectos distintos, mas simbióticos, tendo como base as características absorvidas da sociedade de massa em que está inserido sem esquecer da sua própria capacidade inter e intrapessoal de compreensão e, consequentemente, de desenvolvimento no mundo.

Talvez, somente ao buscar compreender cada indivíduo e sua forma singular seja possível estabelecer relações realmente empáticas. A construção de uma singularidade demanda tempo, sensibilidade, domínio do contexto e muito diálogo. Mas é essencial para o desenvolvimento de um efeito “contramanada”, de massificação do ser, priorizando o novo e o criativo, em vez do padronizado e aglutinador.


Eu e o Kiko Lopes somos sócios-diretores da Zaic Branding.

Esses textos nascem de nossas conversas e discussões sobre questões que orbitam o universo das marcas com as quais trabalhamos. Você pode ler mais textos como esse em zaic.com.br/insights/

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Zeuner Fraissat

  • O cliente no foco

    O cliente no foco

    Ouvir, entender, agir. Esses eram os três verbos mais encontrados nas estratégias de “customer centricity”.

  • Singularidade e Relevância

    Singularidade e Relevância

    Nada melhor pra esquentar uma discussão sobre esse assunto do que começar com duas frases de dois grandes…

  • Por que investir em Branding?

    Por que investir em Branding?

    Cresci, como muitos aqui, ouvindo que “a propaganda é a alma do negócio”. Essa frase tem até uma certa lógica se…

  • Propósito, verdade e singularidade

    Propósito, verdade e singularidade

    Das crianças e jovens Z até os adultos Millennials, todos estamos buscando uma maneira de deixar um legado de impacto…

  • Trabalho com propósito

    Trabalho com propósito

    A relação das pessoas com o trabalho vem mudando com o passar dos anos, com a saída e a chegada de cada geração. Cada…

  • Como se posicionar no mercado em tempos de pandemia?

    Como se posicionar no mercado em tempos de pandemia?

    Os impactos econômicos em decorrência da expansão pandêmica da COVID-19 já são considerados maiores do que os…

  • Big Data e construção de marca

    Big Data e construção de marca

    Cada vez mais as empresas têm feito da captação de dados digitais uma grande aliada em suas tomadas de decisões. A…

  • Construindo marcas consistentes

    Construindo marcas consistentes

    Já foi o tempo em que, para fazer diferença, bastava uma marca investir em design e publicidade. Durante séculos…

  • Veganismo e Singularidade

    Veganismo e Singularidade

    Pessoas, grupos e sociedade mudam o tempo todo. E, cedo ou tarde, mudanças de comportamento geram transformações…

  • Identidade Verbal

    Identidade Verbal

    Como você vai dizer o que você tem pra dizer? Dizem que sinônimos não existem. Cada palavra, por mais parecida que seja…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos