A luta contra o racismo na Universidade
O Mês da Consciência Negra reforça o longo caminho que ainda precisa ser percorrido
Era meados de 1500 quando Maria veio ao mundo. A melanina em sua pele, condicionada pelos genes de seus pais trazidos à força da África, seria o fator predominante para que ela tivesse a vida mais dura possível para a época. Em um contexto de escravização do Brasil, os membros de sua família preta eram colocados como sujeitos inferiores com a função de servir aos patrões, todos brancos e europeus.
A partir daquele momento, todos os dias a vida de Maria e seus descendentes seriam colocadas em risco, simplesmente por não seguir o padrão de cor tido como bom para a sociedade. Naquele período, muitas características de seu povo seriam apagadas em processos como o de catequização, com a justificativa falha de que pessoas pretas não tinham alma.
A história de Maria não corresponde a uma pessoa específica, mas é um grande resumo representativo de várias histórias silenciadas desde o período da escravização do Brasil. Os efeitos desta época são nítidos na sociedade atual e são a razão pela qual a luta de combate ao racismo não pode parar.
Reconhecer as identidades pretas e instaurar a equidade entre brancos e negros é um dos objetivos da luta antirracista. Novembro, o Mês da Consciência Negra, faz parte de um conjunto de ações que buscam por essa mudança.
Escolhido para ser o Dia da Consciência Negra no Brasil, o dia 20 de Novembro relembra o assassinato de Zumbi dos Palmares, o último líder do Quilombo dos Palmares, um refúgio para escravizados em fuga dos engenhos. A data reforça a importância das discussões e ações de combate ao racismo.
A educação no combate ao racismo
Como parte essencial da formação profissional, social e ética dos jovens, a educação tem um papel fundamental no combate ao racismo. O sistema de ensino tem a responsabilidade de instruir seus alunos sobre o respeito, a equidade e a importância de aspectos como a criminalização do racismo
Mas além disso, a chegada no ensino superior é um marco na vida das pessoas, Pretas, Pardas e Indígenas (PPI) que, segundo dados do IBGE em 2021, somavam quase 72% da população pobre brasileira e ainda são minoria nas universidades.
A política de cotas permitiu que mais pessoas PPI conseguissem fazer parte da graduação, contudo a representatividade ainda é escassa na universidade quando se pensa nos cargos de poder e liderança. Uma grande questão que pode-se levantar a respeito disso é: “Quantas pessoas pretas e pardas ocupam cargos de poder na universidade que você frequenta ou frequentou?”
Mas não é raro que ao adentrar as portas da universidade, um local que respira educação e, por isso, deveria ser um espaço de acolhimento e igualdade, os alunos pretos e pardos se sintam intimidados. Casos de racismo na universidade não são tão raros. Foi o que aconteceu com a professora Glaucia Aparecida na Universidade do Rio Grande do Sul, ainda esse ano. Esse caso mostra o despreparo da sociedade para lidar com pessoas pretas em cargos de liderança e impacto.
Vivências de Jovens do Semear
Vamos conhecer três jovens Deltas, integrantes do time administrativo do Instituto Semear, que exemplificam sobre a luta antirracista dentro da universidade.
Jady Millan Inacio - Gestora de experiência (Relacionamento Institucional)
Jady é estudante de Ciências Biológicas pela USP, e conta que, nessa universidade, a carteirinha de estudante é uma forma de diminuir a violência policial contra pretos e pardos, mas que ela nem sempre funciona. Amigos da jovem já foram agredidos e perderam seus celulares por conta dessa violência.
Jady acredita fielmente que “A educação é o maior agente transformador para diminuir desigualdades e tirar pessoas do ciclo da pobreza“. Assim, para ela, a educação pública deve ser melhorada desde a base.
Idealizando uma universidade dos sonhos, Jady acredita ser importante ampliar a política de cotas para professores e também para a pós-graduação. Além disso, no ensino, é importante “Não se basear só em conhecimentos vindo de europeus e estadunidenses. Existem pesquisadores muito bons em outros lugares do mundo que nunca aprendemos em sala de aula”.
Renata Barcellar - Gestora de gratuidades (Relacionamento Institucional)
Estudante de medicina veterinária na Unesp, Renata nota uma forte presença do racismo estrutural na faculdade, principalmente entre mestrandos e residentes, mas também entre professores, sendo que teve apenas uma professora negra até hoje. A falta de representatividade e de pessoas que já vivenciaram o racismo nesses cargos geram comportamentos inconvenientes. Renata já foi subestimada por professores e ouviu de outros que achavam que a vida dela era ruim, sem nem conhecê-la, apenas pela cor da sua pele.
Sobre a luta antirracista, Renata pensa que “É preciso que as pessoas assumam a existência do racismo no país e que ele seja tratado como o crime que é”. Já na educação, as cotas raciais e os coletivos têm um papel fundamental, mas para ela faltam ações das universidades como mentorias e apoio psicológico aos alunos PPI que passam por determinadas situações.
Beatriz Felix Dos Santos - Analista do pilar carreiras (Projetos)
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Estudante de farmácia na Unesp, Beatriz Felix já vivenciou nas aulas conceitos científicos explicados de forma racista. Além disso, já ouviu de professores que “Na época deles "não existia cota, então eles tiveram que ralar", como se quem usasse cota não precisasse se esforçar”. Esses são exemplos do que a falta de professores pretos e pardos pode causar.
Para Beatriz, um primeiro passo para combater o racismo brasileiro seria falar sobre o tema não apenas em novembro. Assim, o incentivo à atividades culturais, discussão do tema em grandes veículos de informação e mostrar a aplicabilidade das leis contra o racismo durante todo o ano, poderia contribuir com o movimento antirracista.
Estudando fora da área de humanas, Beatriz sente falta das discussões sobre questões raciais nos cursos de exatas e saúde. Esperar atitudes dos altos cargos da educação em benefício de PPI, não é uma opção para a jovem: “Se a gente for esperar de quem tá lá em cima, nós nem estaríamos na universidade”.
A jovem defende a força da luta dos estudantes por uma universidade melhor para pessoas pretas, pardas e indígenas. Ela acredita ainda que os coletivos são um bom meio de resistência, por isso, a futura farmacêutica faz parte da criação do Coletivo Márcia Tânia Alves, o primeiro coletivo preto da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp Araraquara.
Beatriz segue um respeitoso pensamento: “Na minha cabeça, se a gente não fizer, ninguém vai fazer pelos nossos”. Com isso em mente, ela coloca em palavras rimadas, um apelo por um mundo melhor em que pretos e pardos tenham equidade no seu caminho de vida.
Um sonho em processo
A sociedade pela qual todos nós sonhamos e lutamos é aquela em que há equidade entre todas as pessoas. Aquela em que negros não sejam a maioria dos pobres e assim sejam impedidos de sonhar ou de chegar em lugares antes incomuns. Queremos uma sociedade em que todos sejam respeitados, tenham oportunidades e, principalmente, um seguro acesso à educação, a qual pode transformar vidas.
A luta antirracista não termina em novembro, ela só acaba quando tivermos transformado esse sonho de equidade como realidade.
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Giro Semear!
Achou que ia acabar por aqui?! Vamos recapitular o que rolou Semear?
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Desde o primeiro treinamento "Aproveitando a Cidade e o Espaço Universitário", onde os jovens-semente mais experientes compartilham segredos para navegar pelo ambiente urbano e universitário, fornecendo dicas práticas para aproveitar ao máximo as oportunidades cotidianas.
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