Maio, mês da trabalhadora e do trabalhador. Não do trabalho

Maio, mês da trabalhadora e do trabalhador. Não do trabalho

Não é uma questão semântica. Ao substituir o nome correto por Dia do Trabalho, varrem-se para debaixo do tapete os agentes que fazem a economia girar. Sou eu, é você. Nós que já abrimos mão de feriados, finais de semana com família e amigos. Nós que atravessamos jornadas exaustivas, que não conseguimos tirar férias, que dormimos mal, que tomamos calmante, ansiolítico, que choramos na terapia. Nós que ficamos apreensivos com os cortes. Nós que fomos cortados. Nós que mesmo com a grana curta, fomos atrás de cursos, que tentamos empreender. Nós que viramos MEI ou ME simplesmente porque uma "reforma trabalhista" acabou com direitos, não gerou empregos e piorou a vida de milhões. 

Eu ri quando o gerente da minha conta PJ me ofereceu uma maquininha. Mais de uma vez, expliquei que não faço bolos, roupas ou acessórios. Não tive nenhuma ideia genial para virar "dona do meu nariz". Eu continuo escrevendo textos ou pensando em pautas ou editando ou entrevistando alguém. Entretanto tive que colocar aquela carteira azul no fundo da gaveta porque "o mercado mudou". Ao menos tenho contratos de trabalho, é fato. Mas a linha de corte vai ficando mais perto de mim agora aos 46 do que era aos 30. Penso no gerente do banco, em aceitar a maquininha, em trocar o espanhol que pretendo fazer por algum curso de habilidade manual para eu virar, de fato, empreendedora. E quando me vem a pergunta: de que gosto mesmo? Bom, eu gosto de escrever. 

Penso que eu queria ser roteirista de tv norte-americana e estar em greve, com o Jimmy Fallon preocupado com as laudas do "Tonight Show". Vejo as enquetes por aqui e as pessoas me perguntam se eu tenho medo da inteligência artificial. Me esforço para não ser antipática. Não tenho medo da tecnologia, a tecnologia me salvou muitas vezes. Eu tenho pavor é de mercado etarista, machista e que desvaloriza profissionais. Dos mini senhores feudais do LinkedIn que escancaram na timeline que são contra vagas afirmativas, jornada de quatro dias e de pagar o justo para os seus trabalhadores e trabalhadoras. Tenho pavor de quem demite mulheres que acabaram de voltar da licença-maternidade, dos que não respeitam quando estamos nos recuperando de uma doença e soltam o perverso "é só uma call com o cliente" porque sabem que a conta do tratamento está ali, não espera. 

Em resumo, por mais que eu goste de trabalhar, gosto cada vez menos do mundo do trabalho e de tudo que ele nos tira: sonhos, juventude, noites bem dormidas, descanso e motivação. Somos todos e todas (uns e umas mais) vistos como pecinhas descartáveis que fazem essa engrenagem girar. Por isso que é preciso apoiar e promover mudanças. Nenhum direito trabalhista chegou depois que um funcionário tomou chá das cinco com o patrão. 

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