O digital que distanciava, agora aproxima na escola (imposta) digital
Assisti a uma live da Sucesu/MG em que especialistas sobre educação e diretores de escolas relataram como está sendo desafiador a transferência urgente das aulas presenciais para um modelo online. O que vai acontecer com a educação após o período de quarentena que estamos vivendo? Uma coisa é certa. Nada será como antes. O online está sendo ressignificado na cabeça dos gestores de grandes escolas, desde o ensino fundamental até a pós-graduação.
Ferramentas como Moodle, Microsoft Team (Ofice 356) e Google For Education, além de aplicativos que já estavam em uso, permitem agora uma interação entre alunos, família e escola. Tecnologias e assessorias se transformaram, instantaneamente, em essenciais. Modelos que até então estavam na gaveta ou sendo testados viraram, do dia para a noite, kits de sobrevivência para as escolas em todo o mundo. Uma situação que nenhuma escola imaginava foi ter que fazer essa virada em um tempo tão curto de adaptação.
Sabemos que é um cenário provisório, mas precisamos extrair alguns ensinamentos neste momento. O primeiro é que existia uma certa lentidão por parte das escolas em adotar tecnologias e ferramentas online. Havia também a resistência natural dos professores em aprender novas funções com receio de que isso poderia, de alguma forma, aumentar seu trabalho. Era comum ainda a percepção de que a tecnologia reduziria o quadro de professores e até sua relevância. As aulas poderiam ser replicadas para muito mais alunos, não havendo limitação de espaço físico - que ocorre na sala de aula tradicional.
Outra questão importante é que a tecnologia educacional exige um gasto elevado para a escola. Para receber a certificação, por exemplo, do Google For Education como escola parceira é preciso investir na compra de um volume significativo de Chromebooks, além do pacote de soluções e treinamento. Sonhar com a educação online é muito diferente de implantar uma escola online, mas tentar alterar o modelo de ensino já atravessa décadas.
O jovem estudante Alan Kay, em 1972 – aluno de graduação no MIT, nos Estados Unidos, desenvolveu o Dynabook (imagem acima), um protótipo que permitiria que os alunos pudessem ter aulas fora do espaço físico tradicional. A proposta era desenvolver um aparelho para aulas remotas. O equipamento não emplacou na época, mas tem muita semelhança visual com o iPad. Quarenta anos depois, o tablet ainda não é uma unanimidade nas escolas nem mesmo a ideia de um computador por aluno.
A corrida contra o tempo para construir uma escola virtual e o ensino a distância impostos pelo Covid-19 mostra dois lados antagônicos. Professores mais resistentes à tecnologia por pressão e sem outra opção possível tiveram que aprender e se adaptar e estão indo muito bem, pelos relatos que já vi de colegas e gestores de escolas. Mas como a escola manterá sua relevância e qual valor irá cobrar nas mensalidades para uma escola virtual ou um novo modelo híbrido que se avizinha?
Precisamos novamente olhar o passado. O nosso calendário gregoriano, promulgado pelo Papa Gregório XIII no ano 1582, previa os dias e semanas como até hoje nos orienta. De lá para cá, esse calendário marca nossas rotinas de trabalho e também os horários de aula – de segunda a sexta-feira, em turnos matinais, vespertinos e noturnos. Pausa regular para o almoço, e noite para a faculdade e cursos de pós-graduação. Os pais saem de seus trabalhos e buscam os filhos na escola, diariamente, cumprindo um rito natural. Em alguns países, as aulas do turno da manhã começam um pouco mais tarde, dado o rigor do inverno. No Brasil, geralmente as aulas têm início às 7h20, mesmo que os alunos não estejam muito dispostos.
O novo tempo e um tempo novo
Cabe uma reflexão aqui. As novas gerações fazem maratonas de séries na Netflix, são notívagos, mas precisam acordar muito cedo, pegar o transporte e chegar à escola. O professor espera o máximo de concentração e muitos deles querem apenas dormir. Voltando ao ano de 1582. Tempo cronológico, tempo de trabalhar e tempo de aprender. Quem determinou esses horários? Será que ainda faz sentido? Os mais conservadores podem indagar. Sim, meu pai, na década de 1970, me fazia acordar cedo, por isso sou hoje um homem realizado e consegui educar meus filhos. Mas será que pensar assim não nos limita a olhar o mundo apenas pela nossa ótica? Será que nossos filhos entendem esse discurso?
Quanto tempo um aluno consegue se fixar no conteúdo e olhar para o professor em sala com atenção plena? Como seria na versão home office? Olhando agora para a realidade atual do confinamento pelo Covid-19, qual será é o tempo de concentração em casa? Como produzir conteúdo e como dar uma aula virtual para alunos de baixa renda que não têm computador em casa? Outra questão. As plataformas de EAD podem ser acessadas via mobile, mas são consideradas uma boa experiência? As notificações do Whatsapp e Instagram continuarão aparecendo no celular indefinidamente enquanto o aluno assiste a uma videoaula? Acho que será impossível conseguir a atenção dos alunos em um ambiente assim. O que acham?
O modelo de educação, principalmente no ensino médio, e o tempo do aprendizado precisam mudar. Precisamos trazer desafios, fazer os alunos buscarem as respostas (e não existe apenas uma resposta), e classificar o aprendizado, não por notas, mas pela trajetória. Média de 60 pontos, recuperação ou bomba fazem sentido no mundo que habitamos. As empresas agora avaliam a vivência e a capacidade de resolver problemas. O Google contrata quem consegue encontrar caminhos, não quem tem a resposta certa em uma prova de múltipla escolha, que vai da letra A até a letra E. Essas são discussões que estão apenas começando, mas alinhar a sala de aula virtual ao modelo tradicional e colocar o aluno quatro horas sentado na frente de uma tela não me parece uma saída razoável.
10 pontos que precisam ser observados no modelo de ensino a distância
- Como fica a inclusão dos alunos com dificuldades motoras (para usar um mouse, por exemplo)? Como fazer a inclusão digital para alunos que também têm problemas cognitivos?
- Como fica o direito de imagem do aluno e de seus familiares
- Como será a interação dos pais com o novo sistema? A escola terá autonomia pedagógica?
- Como fica a questão do direito autoral e direito de imagem dos professores?
- Quando as aulas forem gravadas e reproduzidas, essa reprodução precisa ser remunerada?
- Como iremos avaliar o aluno e controlar a cola virtual?
- Como a escola vai promover os encontros, trabalhos em grupo e como será mediado tudo isso?
- Como fica o modelo do Enem - uma vez que o próprio MEC usa como critério para entrada do aluno na universidade pública um modelo de aprendizado tradicional.
- Como os professores vão lidar com as interrupções durante, por exemplo, uma aula online com todos os alunos?
- Como ficam os laboratórios, bibliotecas e empréstimo de equipamentos, que antes não podiam sair da escola?
Escrevi um artigo para o Sistema Mineiro de Inovação para falar sobre os novos modos de pensar a escola: O texto está disponível clicando aqui.