O Federalismo na realidade brasileira: impasses e reflexões
Por | André Vieira , Artur Boya e Izabela Santarelli
O conceito de federalismo surge nos Estados Unidos, em um contexto de fragilidade da união entre os Estados confederados. Formulado por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, o federalismo propôs a criação de um Estado-nação, de modo a agregar o que ficou conhecido como membros confederados. Tal decisão culminou na formulação de uma Constituição Institucional que unificou os membros.
Nesse sentido, o proposto foi uma república representativa, presidencialista e federalista, com a tripartição dos poderes expressa pelo executivo, pelo legislativo e pelo judiciário. Aqui o Presidente tinha o poder de veto em relação às propostas apresentadas, mas o poder não era tão grande tendo em vista a autonomia dos estados.
No contexto dos Estados Unidos, a união federalista foi possível pois houve uma forte preocupação com a preservação da autonomia dos estados, assim, a união foi implementada em consonância com um conjunto de métodos de freio e contrapesos que impedia a tirania, tendo uma perspectiva fortemente liberal.
No entanto, mesmo havendo preocupações em relação ao estabelecimento de um sistema tirânico, após a promulgação da Constituição norte-americana, houve a instauração de uma série de requisitos mínimos para o voto, entre eles a necessidade de posse de terra, então, apesar do método democrático ser presente, não havia uma plena democracia.
Em relação ao federalismo brasileiro, este foi instituído no país a partir da proclamação da República em 1889. Influenciado por doutrinas estadunidenses, esse modelo estabeleceu a repartição de responsabilidades e competências. Porém, de maneira distinta do modelo norte americano, em que os estados já independentes criaram um Estado federativo num movimento centrípeto do poder, no Brasil, a implementação do federalismo se deu em um movimento contrário de centrifugismo, em que o poder já era concentrado no governo central e foi se dissipando para os governos locais.
A história do federalismo brasileiro é marcada por variações entre períodos de maior centralização ou maior descentralização dos poderes e competências, como também pela presença de conflitos entre os entes sobre suas competências e os recursos disponíveis para executá-las. Para entender melhor sobre o federalismo no Brasil, e como ele afeta as finanças públicas dos entes, a compreensão de três conceitos é fundamental: federalismo, federalismo fiscal e descentralização.
O federalismo é uma das formas de organização de um Estado, sendo caracterizado pela divisão de competências administrativas, políticas, tributárias e financeiras entre as unidades administrativas de um país. No Brasil, por exemplo, essas unidades são chamadas de entes federativos, e são compostas pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Esse tipo de governo surge pela necessidade de facilitar a administração em países com grandes extensões de terra e grandes diferenças culturais, sociais, climáticas e econômicas entre seus territórios, cada um com suas demandas específicas.
No Brasil, o federalismo pode ser considerado cooperativo, na medida em que os governos locais têm participação nas decisões do governo central e trabalham, teoricamente, de maneira harmônica entre si para resolver os problemas do país. Além disso, a simetria também está presente, em razão do tratamento igualitário dado pela União aos Estados-Membros da federação.
A Constituição define as mesmas competências, responsabilidades e representatividades para cada divisão de entes da federação. Tratando-se da esfera municipal, nota-se que todos os municípios possuem as mesmas competências e possibilidades de representação. Isso pode vir a se tornar um problema, considerando que, desde aqueles com menos de mil habitantes até os com mais de um milhão, possuem as mesmas prerrogativas legais, o que engloba o sistema eleitoral e o tributário, por exemplo, ignorando as especificidades de cada município.
Já o federalismo fiscal é a parte do acordo federativo responsável pela divisão das competências relacionadas à arrecadação de tributos, à repartição dos recursos entre os entes e à alocação dos recursos públicos e prestação de serviços para a sociedade. No Brasil, o federalismo fiscal se encontra desequilibrado, onde há uma grande concentração de recursos arrecadados na União, enquanto os governos locais se encontram com excesso de obrigações, e muitas vezes sem os recursos necessários para cumprí-las.
Por fim, há o conceito de descentralização. Para entender melhor sobre a repartição de poderes entre os diferentes níveis de governo, é importante levar em consideração as contribuições de Oates sobre a temática. O autor elaborou o seu Teorema da Descentralização, em que afirma que o bem-estar dos cidadãos será maximizado quando a oferta de serviços públicos e a administração dos recursos for feita de forma descentralizada, nos governos locais.
De acordo com esse teorema, os governos locais possuem informações mais precisas acerca das necessidades de sua população, e por isso estariam mais aptos a administrar e alocar os recursos públicos da melhor forma possível. Um dos pressupostos para esse teorema é de que existe uma assimetria no nível de informação disponível no governo central e nos governos locais em relação às populações locais. Além disso, Korff afirma que a existência dessa descentralização e uma maior autonomia municipal contribuem para a manutenção de qualquer sistema democrático, e que se mostra imprescindível a existência de problemas que não pertençam ao governo central, exigindo soluções locais, pela proximidade com o problema.
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A partir dessa descentralização, existem três tipos de autonomia que podem ser conquistadas pelos entes, sendo elas a política, a administrativa e a financeira. A autonomia política refere-se a competência de legislar sobre questões de seu próprio território, além de ter participação nas decisões do governo central, através de representantes nos parlamentos. Já a administrativa se refere à capacidade das entidades se organizarem administrativamente, ou seja, de poder criar seus próprios órgãos e estabelecer os meios e procedimentos para alcançar seus objetivos.
Por fim, a financeira engloba o poder de arrecadação e de elaboração e administração de orçamento próprio. No Brasil, as autonomias políticas e administrativas estão mais consolidadas nos municípios, porém a financeira ainda é limitada, pois a grande maioria deles ainda depende fortemente dos recursos repassados pela União. Isso faz com que tenham dificuldades de implantar políticas que julguem benéficas aos seus cidadãos, além de ficarem reféns dos interesses da União para receber certos repasses.
Com a elevação dos status dos municípios a entes federativos a partir de 1988, recursos começaram a ser repassados a eles através das transferências constitucionais, o que motivou a elevação no número de novos municípios nesse período. Entre os anos de 1984 a 1997, por exemplo, 1.405 municípios foram emancipados no Brasil, e a grande maioria deles de pequeno porte (menos de 20 mil habitantes). Isso é resultado da fragmentação de pequenos municípios, normalmente sem um planejamento central prévio e facilitado pelas regulamentações estaduais.
De maneira geral, os grandes municípios, com sua grande capacidade de arrecadar receitas próprias, financiam indiretamente os pequenos municípios através do Fundo de Participação Municipal, algo que pode ser desestimulante para as economias locais, tanto dos grandes quanto dos pequenos municípios. É importante, portanto, iniciar uma reflexão acerca da quantidade de municípios existentes na Federação, considerando seus portes e a interface que se desenha na economia brasileira.
REFERÊNCIAS
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