Reformas e a economia nas sombras
Publicado no Jornal DCI:
A economia brasileira vem sendo sacudida por diversos eventos há pelo menos três anos. Apenas para ficarmos com alguns exemplos, temos a depressão iniciada no segundo trimestre de 2014, a polarizada eleição presidencial no mesmo ano, o imbróglio político, o processo de impeachment, as "novidades" da operação Lava-Jato (e outras operações que ocorrem paralelamente) e o enfraquecimento do atual governo. Ao mesmo tempo, com maior ou menor grau de discussão, algumas reformas ditas estruturais foram sendo formatadas. Existem diversas formas de analisar os impactos econômicos dessas mudanças. Tomemos a chamada shadow economy.
Por melhor que sejam (e são!) as práticas na contabilidade nacional feita pelo IBGE, existem certas atividades que propositadamente escapam dos números oficiais. Mesmo desconsiderando as atividades ilegais e aquelas praticadas no domicílio, ainda existe uma parcela muito significativa de atividades baseadas em mercado que não estão sob a luz das estatísticas oficiais. Sigo aqui o trabalho de Schneider, Buehn e Montenegro, publicado em 2010, com estimativas interessantes sobre o assunto.
Os autores elencam alguns motivos que influenciam e são influenciados pela decisão dos agentes de migrar para a economia que fica à sombra da "oficial": a tributação, a (intensidade) da regulação, os serviços públicos, a economia oficial e o mercado de trabalho.
No primeiro item temos uns dos principais benefícios da migração: escapar dos tributos significa menos custos (diretamente, porque os efeitos negativos na economia podem implicar em custos indiretos não contabilizados nas decisões individuais). O problema é que isso diminui a receita do governo que fica com duas opções: aumentar a tributação nas atividades realizadas oficialmente ou diminuir a quantidade e/ou a qualidade dos serviços públicos. A regulação tem um caráter semelhante.
O estado da economia oficial também contribui para essa decisão. Uma economia pujante oferece oportunidades que podem fazer com que agentes permaneçam à luz da contabilidade nacional, ao passo que a recessão pode dar o impulso para a migração. Isso influencia diretamente a dinâmica do mercado de trabalho, especialmente no que a formalização.
Qual é o tamanho dessa economia no Brasil? Os autores estimam que entre 2000 e 2007, ela representou em média 39% do PIB! A título de comparação, nos países de alta renda da OCDE em torno de 17,1%. Sem dúvida a shadow economy é grande o suficiente para considerarmos nas análises de curto e de longo prazo. Isso sem falar em todas as atividades ilegais que também devem ser consideradas.
Com as reformas que vêm sendo discutidas, e as que já foram implementadas (o teto dos gastos, por exemplo), teremos a possibilidade de diminuir a carga tributária no médio prazo (já muito alta na comparação com outras economias emergentes), o que traria uma parcela dessa atividade paralela para a economia oficial. Ao mesmo tempo, com uma regulação mais racional, menos impositiva, um impulso adicional poderia ser dado, lubrificando o mercado de trabalho. Esse movimento diluiria o peso do Estado entre mais participantes, tornando-o mais suportável e menos impeditivo.
Não podemos mais deixar de enfrentar os problemas sérios que temos na economia, seja ela iluminada ou escondida.