"Revivente"
Já imaginou como seria se, após a sua morte, você pudesse acordar em seu quarto de faculdade, novamente com 18 anos, e com toda a sua vida pela frente? Você buscaria os mesmos sonhos? Construiria a mesma carreira profissional que possui hoje?
Essa é a premissa do livro “Revivente”, ficção científica do autor Ken Grimwood, publicada em 1986. O protagonista Jeff Winston vive uma vida sem propósito, mantém um casamento fracassado e um trabalho sem motivação. Até que ele morre subitamente aos 43 anos, o que marca o início da narrativa. Porém, diferentemente de Brás Cubas, ícone de Machado de Assis, Jeff não é um defunto autor, mas um autor revivente. Ele tem a chance de voltar no tempo até seus 18 anos, trazendo consigo todas as memórias da vida anterior.
Em um mundo onde as notícias nos jornais não são mais novidades, mas apenas lembranças, Jeff sabe que pode se aproveitar de seu conhecimento do futuro. Ele pode fazer apostas em corridas de cavalos e em torneios de beisebol cujos resultados já viu acontecer. Pode investir nas ações das empresas que ele já viu crescerem exponencialmente. Da mesma forma, ele sabe o exato momento no qual conhecerá sua esposa, no qual o presidente JFK será assassinado, e aquele em que sua morte chegará. Ele terá a chance de mudar tudo.
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É inevitável que o leitor também se imagine na situação de Jeff, refletindo sobre as escolhas do passado e em todas as suas consequências. De fato, não seria fácil reaprender a lidar com problemas da juventude e consertar possíveis erros. A ideia de ter a verdade e a certeza nas mãos é tentadora e pode abrir caminho para uma série de sucessos inéditos. Porém, o que Jeff aprende ao longo de vidas repetidas em ciclos, é que também novos desastres estão sempre a caminho. Não é possível se blindar contra os erros, já que eles fazem parte da construção de uma carreira, de um relacionamento e de qualquer fato histórico. Sempre será necessário o autoconhecimento e o respeito para reconhecer seu potencial, explorar possibilidades, e abrir a mente.
A principal diferença entre Jeff e o leitor, no entanto, é que o personagem jamais poderá deixar um legado para o mundo. Todos seus bens materiais, ações e influências serão totalmente apagados a cada ciclo de vida. Então, de que vale o esforço? O exercício de fabulação que essa obra literária desperta demonstra que a resposta está exatamente na experiência da trajetória. Em poder valorizar aquilo que mais o motiva a simplesmente permanecer vivo.
Se você também parou para imaginar o que faria no lugar de Jeff, tenho uma notícia excelente. Não é necessário morrer e voltar ao passado para viver muitas vidas. Os livros existem justamente para permitir que a realidade seja entendida e reconstruída a partir de universos imaginários. Como o crítico Antônio Cândido defende no texto “O Direito à Literatura” de 1988, ela é um direito universal de todos os seres humanos em todos os tempos. É um instrumento de desenvolvimento de linguagem, de pensamento crítico e de empatia. Negar a literatura é mutilar a nossa realidade. Reviva.