Scrum: foco no processo ou nas pessoas?

Scrum: foco no processo ou nas pessoas?

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Há alguns anos participei do redesenho dos processos da empresa onde trabalhava. Me lembro que, em uma reunião para discussão do novo processo, meu chefe elogiava o trabalho feito até aquele ponto, quando fez um comentário importante: segundo ele, o que o tornava confiante em nosso sucesso como empresa não era o fato de termos os melhores processos, mas, antes, as melhores pessoas. Conhecendo-o bem, sei que não foi meramente uma frase motivacional, mas uma convicção pessoal genuína, que provocou em mim um monte de reflexões.

Lembrei-me dessa questão recentemente ao concluir a leitura do livro "Scrum - A arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo", de Jeff Sutherland, criador do Scrum. O livro explica cada prática do Scrum, com a história e os fundamentos que levaram à sua inclusão. Leitura fascinante e agradável, recomendo. Mas o ponto que me fez lembrar da discussão pessoas x processos ao ler o livro é a crença de seu autor de que a ênfase deve estar no método - ou processo - correto, podendo ser essa a diferença entre o sucesso e o fracasso de um projeto ou de uma empresa. O autor enfatiza tanto esse ponto, obviamente com a finalidade de ressaltar as vantagens do Scrum, que parece deixar nas entrelinhas que não faz tanta diferença quem está na equipe, conquanto que haja no time as habilidades necessárias para desempenhar a tarefa.

Para ilustrar seu ponto, Sutherland conta de um estudo em que se mediu a diferença entre a eficiência de alunos em um trabalho para uma difícil disciplina de uma universidade. O estudo queria saber se o tempo gasto na tarefa teria relação final com as notas obtidas, e concluiu que não: a diferença de tempo gasto entre alunos que ganharam a mesma nota chegava a dez vezes. Isso quer dizer que alguns alunos foram dez vezes mais eficientes que seus colegas, gastando um décimo do tempo para receber a mesma nota! Mas a coisa fica ainda mais incrível quando estudo similar foi aplicado em equipes, analisando dados de 3800 projetos. A diferença entre a equipe mais eficiente e a menos eficiente no desempenho de uma mesma tarefa foi de nada menos que cem vezes! Bastante acima da diferença apurada entre indivíduos.

...se o trabalho em equipe é um dado, você priorizaria investimentos em ter melhores pessoas ou em ter processos que permitam que as equipes trabalhem melhor?

Ei sei que, a rigor, isso não é uma comparação processo x pessoas, estando mais para trabalho em equipe x individual. No entanto, se pensarmos que boa parte dos trabalhos em grandes empresas hoje é feita em equipes, a coisa fica interessante. Em outras palavras, se o trabalho em equipe é um dado, você priorizaria investimentos em ter melhores pessoas ou em ter processos que permitam que as equipes trabalhem melhor? Pensando nos dados comparativos de eficiência a escolha seria em processos, correto? Será então que meu antigo chefe estava errado ao acreditar nas pessoas em primeiro lugar?

Acredito que não. Na verdade, a tensão processos x pessoas é, em minha opinião, uma falsa dicotomia. Uma empresa que investe em melhores processos - e eu acredito que o Scrum seja, talvez, o melhor deles - deveria, de forma concomitante, adequar o seu conceito de "melhores pessoas". Explicando melhor: as melhores pessoas para compor uma equipe de alto desempenho não serão necessariamente aquelas que, no estudo citado acima, entregaram seu trabalho dez vezes mais rápido que seus pares. Critérios como participação, comunicação, solidariedade, ego, visão holística, crença no processo, etc. passam a compor o conceito de "melhor". No caso do Scrum, não adianta implementá-lo se você tiver na equipe membros com "síndrome herói", que tendem a gerar crises para eles mesmo resolver, ou pessoas que tentam se tornar essenciais segurando informação só para elas. Essas pessoas podem ser ordens de grandeza mais eficientes individualmente e ainda assim prejudicar o desempenho da empresa como um todo. Em tempos em que se alardeiam a capacidade superior de entrega do Scrum frente à métodos mais tradicionais de gerenciamento e controle, é importante que haja consciência da necessária contrapartida no nível do indivíduo. Adequar o quadro de pessoal é ingrediente vital, mas pode ser um remédio amargo a se tomar e, a menos que se esteja disposto a esse sacrifício, os resultados dos melhores processos tendem a ficar aquém do esperado.

Uma empresa que investe em melhores processos (...) deveria, de forma concomitante, adequar o seu conceito de "melhores pessoas".

Como alguém com experiência em métodos ágeis e fã de Scrum, acredito fortemente no potencial transformador de tais práticas no dia-a-dia das empresas, sejam de que ramo de atuação forem. No entanto, tendo passado por vários projetos desse gênero, estou também convencido de que uma abordagem ágil não será bem sucedida se as organizações ignorarem a importância de se contar com as pessoas corretas em seus quadros. Processos eficientes são essenciais, mas somente até o ponto em que permitem que as equipes, formadas pelas melhores pessoas, trabalhem para entregar resultados superiores. Entre processos e pessoas, ficamos com os dois, cientes, no entanto, de que são essas que garantem o sucesso daqueles, e não o contrário. Como já dizia meu chefe.

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