A sociedade do Hoje
O fornecedor é o indivíduo que numa relação mercadológica disponibiliza um produto ou serviço, que exerça uma atividade profissional empresária, conforme o artigo 966 do Código Civil. Não conseguimos pensar em fornecedor sem remeter aos Burgos da Idade Média, já que foi com a criação e sua vinculação da moeda que originou as primeiras relações comerciais, dando simbologia ao valor, e pondo de lado o mero escambro e a vontade do homem.
No Brasil contemporâneo, positivou-se no artigo 3º da Lei Federal nº 8.078/90, que o “fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Isto quer dizer que houve uma ampla interpretação nos quais são denominados fornecedores para melhor tutelar os possíveis consumidores.
Há uma corrente doutrinária majoritária que vislumbra a responsabilidade solidária entre os fornecedores, desde o primário até o mais longínquo, isso denominou-se cadeia econômica de consumo, como prevê nos artigos 7º, parágrafo único; o 13, parágrafo único; o 18 e o 34 da Lei de Defesa do Consumidor.
Mas não se pode entender essa complexa relação consumerista, sem antes compreender o que vem a definir consumidor, “nos termos da lei, é a pessoa que adquire ou se utiliza de um produto ou serviço como destinatário final” (Roberto Senise Lisboa), isto é, para Z. Bauman, na modernidade liquida, todos nós, seres globalizados e interligados pelo desejo e interesse, somos consumidores, uns de produtos tangíveis como um bem, por exemplo um carro; outros por bens intangíveis, como a arte, a música e a cultura, foi o que o filosofo Luiz Felipe Pondé chamou de "Marketing Existencial".
Logo, há duas definições básicas de consumo:
O consumidor por natureza – é o que está codificado na Lei, o destinatário final de um produto ou prestação de serviço.
O consumidor por equiparação – é o que está condicionado a um consumidor principal, seria uma teoria gravitacional do direto do consumidor? É quem sem participar objetivamente e ativamente da relação de consumo, mesmo assim sofre as consequências dos efeitos danosos do produto ou serviço por algum tipo de vício redibitório ou não.
O produto, matematicamente falando é o resultado de uma sentença numérica; agora na filosofia é o que causa satisfação no mercado global para o ego humano. Por que? Simples, sempre queremos algo que não temos, e quando conquistamos o nosso desejo de ter, idealizamos outro objeto, assim sucessivamente até o fim, e isso denominou paradoxo fordista. Agora, voltando para o direito, o produto se define como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Logo, qualquer bem que tenha valor de mercado e poder de troca que tenha circulação pode ser considerado produto.
Há também de muita valia a ideia de serviço, que é uma atividade vislumbrada no mercado, que seja remunerado, ex vis legis no artigo 3º, §1º e §2º, da Lei 8.078/90. No âmbito das obrigações, a herança com o direito alemão já definia o serviço como uma obrigação de fazer, isto é, de realizar algo, podendo até ser personalíssima, intuitu personae.
E por fim, depois de muitos debates, pensando sempre em tutelar os mais vulneráveis, e buscar o justo meio, “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades” (Nery Junior), veio de inspiração iluminista os princípios fundamentais da relação de consumo.
Os direitos básicos de qualquer consumidor, sendo subjetivo a cada indivíduo, que afete a sua ordem moral e até patrimonial. Por isso que detém o animus para solicitar diante o juízo a reparação por danos morais, na qual o fornecedor pode ser responsabilizado. O consumidor, permanente do direito personalíssimo, irrenunciável; logo se o fornecedor assim o ferir, caberá ação por danos morais. E ainda se lembre que os direitos personalíssimos, só cessam com a desconsideração da personalidade civil do indivíduo.
Não se esqueça que além do já dito, o consumidor final pode entrar com reparação por danos patrimoniais ou materiais, isso quando o fornecedor por causas desconhecidas, por dolo ou culpa, abalar o patrimônio do consumidor, ferindo o princípio geral da proteção do patrimônio.
Mas qual a razão da defesa do patrimônio do consumidor? Há na sociologia, a teoria do fetichismo cultural, na qual o maior ímpeto do proletariado é ser burguês, isto é, ele quer mais do que precisa. Então com esse pensamento de ter mais e mais, ele torna-se consumidor, entra de fato no sistema de circulação de riqueza, adentra na sociedade de consumo, por isso necessita da defesa do seu patrimônio, se não pode perder a ilusão quimérica de pertencimento da burguesia. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor é amplo, erga omnes, de interesse social, destinado à tutela do patrimônio do consumidor.
E por fim, há os direitos subjetivos denominados sociais instrumentais, sendo os da ação individual e o da ação coletiva.
Conclui-se, no mundo do hoje, todos nós recebemos a incumbência de sermos cidadãos, e junto a isso ganhamos de presente o status de consumidores, uns de ideias, outros de coisas, porém todos compramos aquilo que nos cria desejo, uma forma de aceitação social. E foi com esse olhar crítico que a Lei Federal nº 8.078/90 adentrou no ordenamento jurídico pátrio, com o principal objetivo de defender o patrimônio líquido dos consumidores, uma herança do Welfare State e do neoliberalismo.
Henrique Checchia Maciel - 02/10/2019