Todo gap de resultado é um gap de conhecimento
Alguns aprendizados vêm como um presente.
Uma passagem muito legal na minha carreira aconteceu em meados de 2015. Eu era Diretor de Estratégia na Whirlpool, responsável por desenhar o portfólio de produtos de todas as categorias. Eu passava muito tempo com a engenharia, então o VP me convidou para o evento anual de liderança da área. Ele queria um palestrante e convidou o Professor Vicente Falconi, meio sem esperança de que ele topasse.
Ele não só aceitou o convite como contou que um dos primeiros trabalhos de consultoria que ele havia feito na vida tinha sido na Whirlpool. E por gratidão, ele iria de graça. Então no meio da tarde, ele pousa de jatinho em Curitiba e dirige até o hotel. Fala com a gente numa roda de conversa por duas horas e pega o jatinho de novo, rumo a uma reunião nos Estados Unidos.
Parece chique demais, mas a conversa foi a mais simples e informal possível. Eu tinha acabado de ler Sonho Grande, da Cristiane Correa, então ouvir direto da fonte foi incrível.
Entre inúmeras lições, a que mais me marcou foi esta:
“Todo mundo quer bater meta. Só não bate porque não sabe como bater. Então todo gap de desempenho é um gap de aprendizagem. Se alguém não sabe como bater meta, tem que chamar o time, debater e achar o jeito. Se não conseguiu, chama um mentor, chama outra área, ou um consultor. A gente vai aprendendo até conseguir bater a meta.”
Eu confesso que durante um bom tempo da minha carreira, mesmo depois de me tornar gerente, eu não dei a devida importância para as metas. Não pensava nelas estrategicamente. Eu não tinha clareza da influência que os incentivos geravam no comportamento.
E nem do efeito do conhecimento no alcance delas.
Buscando a Estrela do Norte
Passado algum tempo, meu time tinha definido a “Estrela do Norte” de cada categoria. Para quem não conhece o termo, trata-se de um estado final que se deseja chegar. Esse método é muito usado em desenvolvimento de produtos.
Depois de muita pesquisa e análise, a gente criou uma visão clara para cada categoria. Por exemplo: lavadoras Consul deveriam ser campeãs em economia de água e energia. Fornos da Brastemp deveriam ser os melhores em precisão no preparo de alimentos. E geladeiras Consul deveriam ser as melhores em organização interna.
Esse é o direcional, mas a percepção do consumidor sobre esses atributos não vem de uma hora para a outra. É preciso manter a cadência de inovação, às vezes por décadas, para uma marca ser reconhecida por um atributo específico.
Um exemplo que eu gosto muito é o dos carros Volvo. A Volvo nasceu em 1927, com o propósito de fazer os carros mais seguros para as estradas suecas. Mais tarde, definiu a Estrela do Norte que ninguém seria gravemente ferido ou morto em um carro Volvo novo.
Isso definiu o foco de inovação da empresa por décadas. Em 1959, lançou o cinto de segurança de três pontos. Em 1972, a cadeira infantil para o banco traseiro. Em 1991, o Sistema de Proteção Contra Impactos Laterais. Em 1994, o airbag de impacto lateral. Em 2002, um sistema de proteção contra capotamento. Em 2008, os carros Volvo passaram a frear sozinhos para evitar colisões laterais. Em 2013, os carros passaram a ter airbags para pedestres.
Com essa cadência, mesmo quem nunca comprou um carro Volvo entende qual é o seu ponto de fama. Esse mesmo foco vem sendo usado pela marca agora na virada para combustíveis renováveis.
A definição da Estrela do Norte é essencial. Ao saber o foco claro da empresa em relação à inovação, todos os funcionários, fornecedores e parceiros passam a “treinar o olhar” para possíveis evoluções neste atributo específico, e as ideias começam a fluir de todos os lados, sempre na mesma direção. A marca ganha potência.
Quando saber demais atrapalha
Pois bem, tínhamos feito essa lição de casa. Os focos estavam definidos. Mas ainda assim, as inovações não evoluíam. Para a marca Consul, tínhamos solicitado ao time de engenharia uma geladeira que tivesse prateleiras totalmente modulares, ou seja, eu poderia colocar um bolo de 3 andares na véspera do aniversário, um monte de garrafas de cerveja no dia da festa, e depois mudar tudo para acomodar várias vasilhas com as sobras de alimentos para a família comer na semana.
Mas a equipe de desenvolvimento voltava e dizia: não dá. Não cabe no custo de material.
Foi aí que em uma reunião técnica, alguém soltou que o sistema de resfriamento tinha uma hélice extra. Segue o seguinte diálogo:
Eu: “e para que serve uma hélice extra?”
Equipe: “para deixar a temperatura mais exata em todos os pontos da geladeira”.
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Eu: “Opa, mas esse NÃO É o atributo que queremos para a geladeira Consul. Só queremos exatidão na temperatura para a Brastemp.“
Equipe: “Mas sabemos tudo de temperatura. Vai ficar muito melhor com duas hélices”
Foi aí que caiu a ficha. Aquele time de engenharia de refrigeração era o melhor do mundo, literalmente. Na equipe, tinha mais de uma dezena de PHDs em refrigeração, fruto de uma colaboração de décadas com a Universidade Federal, que ficava a poucos metros da fábrica.
Eles sabiam tanto do tema, que não admitiam reduzir o escopo de uma especificação técnica, mesmo sabendo que aquele não era o requerimento do cliente. Assim, eles estavam colocando custo extra em um atributo que dominavam, em detrimento de um atributo estratégico, definido por e para o cliente.
Na hora, lembrei do Professor Falconi.
Eles não estavam batendo a meta (criar a geladeira mais flexível do mercado) porque havia não só um gap de conhecimento (organização interna, design) como havia um excesso de conhecimento em outro campo (acurácia na temperatura).
Fechando os gaps de conhecimento
Essa constatação nos levou a mapear, em todas as áreas de engenharia, as formações e especialidades de cada integrante, e cruzamos esses conhecimentos com os atributos que tínhamos definido para cada categoria e marca.
Isso nos gerou um mapa de gaps de conhecimento. E traçamos com os Diretores de cada departamento de engenharia um plano de desenvolvimento e contratação de pessoas para eliminar esses gaps de conhecimento dos atributos chave.
Além disso, minha área de Inovação Aberta, junto com a equipe de Relações institucionais, usou este mapa para buscar programas de incentivos do governo em pesquisa e desenvolvimento. Naquele ano, conseguimos empregar mais de 50 pessoas usando esses recursos, que buscam acelerar a formação de cientistas brasileiros.
Em poucos meses, as inovações nos atributos certos começaram a pipocar. Nos anos seguintes, a empresa fez uma reviravolta no seu portfolio e passou a ganhar muita participação de mercado e rentabilidade. E cada lançamento construía a Estrela do Norte.
Como o Neo enxerga a Matrix
A história parece bonita, mas foi mais longa e sofrida do que eu contei. É assim quando a gente olha para trás. Fazemos uma curadoria e esquecemos, às vezes inconscientemente, muitas barreiras e dificuldades.
A razão de eu contar essa passagem é pincelar alguns pontos práticos que você pode usar no seu dia a dia, sem precisar dar todas as voltas que eu dei:
Sabe como o Neo enxerga a Matrix? Com todos aqueles numerozinhos formando os objetos?
Depois dessa passagem, eu comecei a enxergar o mundo corporativo assim. Eu entendo as metas de cada pessoa e depois tento sacar o nível de conhecimento dos times responsáveis pelas metas. Se tem gap, meu trabalho é aumentar o conhecimento deles. Dar contexto, trazer alguém que saiba mais do tema, fazer uma pesquisa, contratar um consultor experiente, uma mentoria.
Aumentando o conhecimento, as pessoas batem a meta.
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Até mais!
Excelente texto
CHRO/People&Culture Director/Mentora/ESG/HRBP
2 aMto legal Vitor!!!! Bem por aí. 👏
Culture and Transformation
2 aAdorei ler sua história. Eu adoro esse tema. Trabalho hoje um uma consultoria de execução de estratégia, que trabalha o lado humano da estratégia. Eu acredito que conseguir executar chega a ser mais crítico que definir a estratégia em si, como sua história comprova. Power Points de estratégia não mudam o conhecimento, nem o jeito que as pessoas pensam e se comportam. Gosto muito da fórmula de execução de estratégia E=AxMxC - para uma boa execução (E) você precisa ter Alinhamento estratégico x Mentalidade x Competência (ou conhecimento). Esse conceito é a base de tudo que fazemos na BTS, vamos trocar uma ideia?
Gestão Administrativa / Operacional / Logística
2 aTexto excelente Vitor. Direto ao ponto, mais uma vez. Obrigado
Global Product Development VP at Whirlpool Corporation
2 aBoa Vitao. Também me lembro de passagens daquela conversa com Falconi ate hoje. Que combinação rara de conhecimento, experiência e humildade em uma pessoa. Grandes tempos. Forte abraço