Um dia normal em Dublin
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Um dia normal em Dublin

Uma manhã de um proletário na capital irlandesa

Olho para o relógio em meu pulso e são pouco mais das sete horas da manhã. Espero meu segundo ônibus do dia na D’Olier Street, próximo ao National Wax Museum. Em dias normais de Dublin é possível ver tantas pessoas se deslocando com suas bicicletas ou com as bicicletas compartilhadas da Just Eat, que começo a comparar com a quantidade de carros. Entre um conjunto de diferentes meios de transporte esperando o semáforo fechado e outro, percebo que não é surpreendente quando o número de ciclistas supera o número de motoristas em seus próprios carros!

Dobrando a esquina, se aproximam mais quatro ciclis, opa, lá vem mais um. Cinco ciclistas vindo do River Bar. Todos eles com coletes amarelo fluorescentes, alguns de capacetes, outros não, mas a maioria com mochilas. Imagino que estão indo ao trabalho, assim como eu. Enquanto me distraio observando como se fixa os alforjes na parte traseira da bicicleta de um rapaz, o ônibus 14 se aproxima. Estendo o braço e o ônibus para. Aguardo três pessoas saírem e eu entro, passo o meu Leap Card e subo para o segundo andar.

Lá de cima consigo analisar melhor o fluxo matinal da cidade. Dublin não para, na madrugada, parece ter a mesma quantidade de pessoas andando nas calçadas como nos horários que separam os picos de movimentação. Mas de manhã é possível conhecer como funciona essa cosmópole.

Passando em frente ao Trinity College, vejo poucos deliveries se aglomerando ao lado da estátua de Henry Grattan. Abro um sorriso quando percebo um deles vestindo uma blusa do Corinthians, não é o meu time, mas acho interessante quando encontro algo que remete à cultura brasileira num país estrangeiro.

O ônibus começa a encher, tiro minha mochila do assento ao lado e coloco em meu colo para que fique livre. Já na George Street, volto a me distrair com a quantidade de ciclistas e olho para o termômetro do meu celular: 4°C. Imediatamente penso na coragem das pessoas em pedalar nesta temperatura, lembro que outro dia presenciei ciclistas até mesmo debaixo de chuva no inverno de Dublin. Eu mesmo já experimentei essa sensação, mas no outono, quando fiz deliveries por duas semanas pelo Uber Eats até que fui interrompido após nanas (knackers) roubarem a roda traseira de minha bicicleta.

Foi assim que arrumei meu atual serviço. Lavo carros de irlandeses ricos em um shopping de Dundrum. Sem bicicleta, achei um anuncio no Instagram do findajobdublin, pois era no que eu podia trabalhar enquanto eu esperava meu visto ser aprovado.

Volto de minhas lembranças e me surpreendo ao avistar do meu lado esquerdo o Whelan’s Pub, cenário onde o personagem de Gerard Butler canta para a Holly, interpretada por Hilary Swank, em P.S. Eu Te Amo. O ônibus em seguida ainda passa pela La Touche Bridge e por Rathmines antes de entrar numa região mais residencial ao sul de Dublin.

No bus stop próximo ao Airport Driving School, o tempo para que as pessoas desçam é maior. Entre elas, cerca de oito garotos descem do segundo andar com duas bolsas cada, uma mochila escolar e outra esportiva de uma alça só, presa em um de seus ombros. Esta última se destaca por divergir dos sapatos e calças formais, da camisa e do suéter. Ela combina mais com as blusas da The North Face que, impressionantemente, todos usam. Seria parte do uniforme?

O yellow bus volta a andar, dobra à direita mais à frente e entra em ruas menos movimentadas. Passa por casas e uma creche, onde várias crianças já estão do lado de fora brincando e enquanto isso, duas professoras as observam sentadas em suas cadeiras com expressões que as entregam que estão lá forçadas pelo dinheiro e encolhidas para protegerem-se do frio.

“Barton Road.”

Ouço a voz feminina de dentro dos ônibus que anuncia o próximo ponto. Aperto o botão de stop e tomo cuidado ao descer segurando no corrimão. O motorista para, eu o agradeço e desço.

Olho para o relógio e são pouco mais das oito horas da manhã, estou adiantado. A parte mais interessante e divertida de ir trabalhar acabou. Ainda preciso andar um quilômetro, caminhar por quase todo o shopping e iniciar mais um dia de trabalho sem sentido.


Sobre o autor:

Olá, sou o Bruno, no momento quarenteno em Dublin. Gosto de viajar e conhecer novas culturas.

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