Carreira em auditoria externa / BIG4: mudanças e quebra de paradigmas

Em um passado não muito distante, trabalhar em uma das quatro maiores empresas de auditoria e consultoria do mundo costumava ser um sonho para muitos profissionais. Uma das principais razões é porque elas sempre ofereceram um plano de carreira muito claro que se baseava na filosofia “up-or-out” – ou você subia, ou estava fora. Desta forma, o profissional tinha total visibilidade sobre o que precisava ser feito para continuar na empresa e subir de cargo - ou para ser demitido.  Também passei por essa escola e isso me ajudou a entender de forma muito mais clara as nuances da profissão, o que contribui muito para o papel de Headhunter de Finanças que exerço hoje.

Fazer carreira em Big4 continua tendo diversos pontos positivos. Ser auditor em uma empresa como essas te coloca em contato com diversos clientes, projetos e segmentos diferentes. É uma posição dinâmica cujo dia a dia inclui lidar com diversos tipos de pessoas, o que acelera o desenvolvimento de diversos soft skills importantes no ambiente corporativo. Assim, se aprende a ser um profissional mais articulado, a se comunicar melhor, a criar alianças para conseguir o que precisa (e na hora que precisa) e a ter jogo de cintura para lidar com os desafios diários. É também uma carreira que te impulsiona para o mercado, pois, ao revisar as Demonstrações Financeiras de seus clientes, automaticamente você está sempre atualizado com o que está acontecendo naquele segmento e muito informado sobre qualquer novo CPC ou IFRS. Em suma, a BIG4 te ensina a trabalhar.

No entanto, galgar todas as etapas desde trainee até sócio de uma Big4, o ápice de um profissional nesta carreira, requer muita dedicação e, na maioria das vezes, significa abrir mão de um estilo de vida mais equilibrado em relação à família, viagens e hobbies, já que se trata de algo corriqueiro nestas companhias que o profissional exerça jornadas longas de trabalho, inclusive em finais de semana e feriados.

Para a geração mais nova (Geração Y ou Millenials), ter um plano de carreira visível não é mais o maior atrativo que uma empresa pode oferecer, já que, para eles, os meios são tão importantes quanto o fim. Essa geração valoriza a pluralidade, isto é, não busca apenas sucesso no trabalho, mas, sim, ter harmonia com as diferentes fases e faces da vida. Por isso, a ideia de se tornar um sócio em no máximo 15 anos em detrimento de sua vida pessoal não é mais o suficiente para motivá-los. Na verdade, é mais importante entender o como e em quais condições pode–se chegar lá.

Outro ponto que impacta diretamente a atratividade das vagas em auditoria externa em BIG4 é a questão da remuneração. Sempre se disse que a BIG4 pagava um salário abaixo do mercado em troca de ser uma grande escola e impulsionar sua carreira para postos mais altos em companhias da “economia real”. Entretanto, atualmente, apesar de apostarem nos benefícios como um diferencial, o total compensation está significativamente abaixo do que o mercado oferece. Assim, o assédio a este tipo de profissional é facilitado pelas questões financeiras e a consequência é que o auditor externo de uma BIG4 acaba migrando para outras empresas por meio de convites de sua rede de contatos e até mesmo dos clientes que atende. Em contrapartida, muitas vezes, pelo fato da remuneração estar bem abaixo da média, o profissional tem dificuldade de negociar condições salariais mais agressivas na sua saída, pois, ao contrário do que acontecia antigamente (quando o aumento total chegava a 40% / 50%), hoje as companhias sabem que a oferta de candidatos é maior do que a demanda e não se justifica um aumento salarial com este patamar. Sem dúvidas, o cenário em épocas de prosperidade econômica é diferente e a “luta” das companhias por bons auditores externos de BIG4 é mais acirrada, o que favorece um aumento mais expressivo da remuneração de entrada e uma consequente saída daqueles que almejavam se tornarem sócios antes do tempo.

Um último aspecto relevante e não menos importante é a exposição que o sócio de auditoria BIG4 tem tido cada vez mais com órgãos reguladores como o PCAOB (Public Company Accounting Oversight Board) - a fim de se evitar erros e fraudes. E como o sócio (em nome da empresa) é quem responde legalmente por todo parecer dado, a pressão sofrida para que o trabalho seja perfeito acaba sendo muito grande e sua qualidade de vida é impactada diretamente. Para a maioria, neste cenário, o retorno financeiro de se tornar sócio fica em segundo plano e a melhor opção passa a ser uma mudança de carreira.

Logo, se o meio não agrada tanto assim e o final assusta, o glamour de se trilhar uma carreira em auditoria em uma BIG4 tem motivos de sobra para ser questionado. Ceteris paribus, faltarão auditores externos sêniores?

Fernando Magano Henriques

Transformação | Gestão | Inteligência | Estratégia | Planejamento | C-Level | Administração & Operações | Processos | Governança | Liderança | Consultor | Mentor | Palestrante | Professor | Conselheiro | Ironman

1 sem

Felipe, thanks for sharing!

Paola Venson Nanthal

Audit Top Senior | Deloitte Brasil

4 a

Um bom tempo se passou e ainda assim acredito que o cenário permaneça conforme colocado. Reflexão muito interessante!  Eu teria apenas um questionamento, você consegue enxergar tal cenário em países desenvolvidos, como por exemplo EUA também? Ou seria uma situação interna brasileira, em relação à este assunto?

Antonio Praxedes

CFO | Diretor Financeiro | Controladoria | FP&A | M&A | PMO - Projetos | Mentor de Carreiras | Gestor de Talentos.

5 a

Parabéns Felipe, muito bom texto, direto ao ponto, claro. 

Parabéns pelo artigo Felipe! Reflexão sobre um tema bem atual e interessante. Tendo eu trabalhado 8 anos na área de consultoria de uma das Big4 (trajeto gratificante e do qual me orgulho), entendo e concordo com as suas colocações. As Big4 (tal como várias outras empresas de auditoria, mas principalmente de consultoria) são sem duvida uma fonte importante de aprendizagem, mas precisam a meu ver, de rever o seu modelo de negócio e de retenção de profissionais, cujo talento é hoje disputado por várias e importantes corporações, financeiramente mais musculosas e não menos capacitadas em termos de processo de desenvolvimento e evolução de carreira.

Rafael Coentrão

Indirect Tax Manager | Compliance | CRC |

6 a

Parabéns pelo artigo. Acredito que nas big4 como um todo já estão trilhando metas e mudanças para se adaptar ao perfil da próxima geração como acredito que no passado não tenha sido diferente. Muito bom ouvir de fontes externas o que se tem falado bastante internamente. Abs e aguardo os próximos.

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