Marcação a mercado: Os impactos na percepção de risco na Renda Fixa
Ano novo e começamos com novidades no mercado de renda fixa. A ANBIMA – Associação Nacional das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais estabeleceu novas regras que passaram a exigir a marcação a mercado de alguns papéis de renda fixa a partir de 02/01/2023. A instituição é uma entidade autorreguladora que reúne 297 das mais relevantes instituições financeiras e cujas normas são seguidas por 1.275 instituições. A marcação a mercado nada mais é que a atualização dos preços dos ativos de acordo com o que o mercado está pagando no momento. Esse procedimento já vem sendo adotado nas carteiras de fundos de investimento desde 2002, por determinação do Banco Central. A finalidade da marcação a mercado nos fundos de investimentos é evitar a transferência de riquezas entre os diferentes cotistas, já que todos os ativos estão com os preços atualizados constantemente. Isso evita, por exemplo, que, em uma movimentação (aplicação ou resgate) para determinado cotista, haja condições diferenciadas para esse cotista em relação aos demais investidores do fundo. Os títulos públicos federais adquiridos via Tesouro Direto já contam com mecanismo de marcação a mercado diário. Já os instrumentos de renda fixa emitidos pelos Bancos, como o CDB – Certificado de Depósito Bancário, a LCI – Letra de Crédito Imobiliário e a LCA – Letra de Crédito do Agronegócio permanecem marcados na curva, ou seja, podem manter a atualização do saldo investido utilizando a mesma taxa contratada inicialmente. A medida proposta pela ANBIMA tem o intuito de dar mais transparência ao investidor, uma vez que os Bancos, Corretoras e Distribuidoras deverão informar aos seus clientes, com periodicidade mínima mensal, o valor de mercado das debêntures, CRIs – Certificados de Recebíveis Imobiliários e CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio e os títulos públicos negociados via Corretoras, que não tenham sido adquiridos via Tesouro Direto. Com as sucessivas elevações da Selic, saindo o patamar mínimo histórico de 2%a.a., em março/2021, até os 13,75%a.a. atuais, a demanda por papéis de renda fixa vem aumentando significativamente. Segundo o Boletim do Mercado de Capitais da ANBIMA, de janeiro a novembro de 2022, foram captados R$ 79,9 bilhões em CRIs e CRAs, representando 69% de aumento em relação ao mesmo período de 2021. Já as emissões de debêntures, representaram captações de R$ 234,9 bilhões até novembro/2022. Quando esses títulos são levados até o vencimento, a rentabilidade auferida corresponderá às condições acordadas no momento da compra. Convém ressaltar que as debêntures, CRIs e CRAs não possuem liquidez, pois são títulos emitidos com vencimentos a médio e longo prazo. Contudo, havendo necessidade de utilizar os recursos investidos nesses papéis antes dos respectivos vencimentos, há a possibilidade de negociá-los no mercado secundário. Nessa ocasião, a rentabilidade auferida dependerá da variação de preços entre o valor pago na compra do papel e o preço atual. Em relação à rentabilidade na curva do papel, o valor de mercado poderá estar acima (ágio) ou abaixo (deságio), podendo representar uma oportunidade ou condição desfavorável ao investidor para negociação do ativo.
A título de exemplo, suponhamos um título pré-fixado com vencimento em 5 anos, pagando rentabilidade de 10% ao ano, resgatando-se R$ 1.000,00 ao final. Considerando a tabela 1, abaixo, na segunda coluna, temos a marcação do preço pela curva, considerando-se a taxa de juros constante de 10% ao ano. Na coluna 3, consideramos cotações hipotéticas de taxas de juros de mercado para o papel ao final de cada ano. Na coluna 4, constam os valores de mercado considerando as respectivas taxas de juros da coluna 3. Note que a taxa de juros e o preço possuem uma relação inversa, ou seja, quando a taxa sobe, o valor de mercado cai; quando a taxa diminui, o valor de mercado sobe. No ano 1, por exemplo, a taxa subiu para 12% e percebemos que o valor de mercado, na coluna 4, passou para R$ 635,52, menor que o valor na curva para o mesmo ano, R$ 683,01, representando um deságio em relação ao valor na curva. Já no ano 2, a taxa de juros caiu para 9%. O valor de mercado de R$ 772,18 é maior que o valor na curva, R$ 751,31, caracterizando, portando, um ágio.
Outro ponto a ser considerado é a sensibilidade dos ativos à variação das taxas de juros. Os investimentos com prazos mais longos sofrem mais impacto nas variações de juros que os similares com vencimentos mais curtos, ou seja, quando mais longo o vencimento do papel, maior será a variação do preço de mercado diante de uma oscilação de juros.
Para ilustrar, fizemos uma comparação do título descrito na Tabela 1 e Gráfico 1, com outro, com características semelhantes, com a mesma remuneração de 10% ao ano, porém com prazo de vencimento em 10 anos, sendo idêntico o valor de resgate de R$ 1.000,00 ao final. Vejamos na Tabela 2 a seguir.
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As taxas de juros na coluna 3 são hipotéticas, utilizadas para simular a marcação a mercado, descrita na coluna 4. A coluna 5 evidencia a variação percentual entre o valor na curva e o valor de mercado. Vamos considerar, por exemplo, as variações entre valor na curva e valor de mercado, ao final do ano 4 na Tabela 1, onde temos um ativo com prazo total de 5 anos. Verificamos que o aumento na taxa de juros de 10% (contratada) para 15%, levou a uma redução de 4,3% no preço de mercado em relação à curva. Já na Tabela 2, onde analisamos um ativo com vencimento de 10 anos, a queda no preço em relação à marcação na curva, no ano 4, foi de -23,4%. O investimento com prazo de 10 anos sofreu uma perda significativamente maior que o ativo com 5 anos de vencimento. Numa situação de redução de taxa de juros, em que o preço do ativo é valorizado, os ganhos também podem ser potencializados quanto maior o prazo dos títulos. No ano 3, na Tabela 1, com ativo de prazo 5 anos, a valorização foi de 3,7% a uma taxa de mercado de 8%. Na Tabela 2, com ativo de prazo total 10 anos, a valorização foi de 13,7% no mesmo ano, considerando mesma taxa de mercado.
Ao comparar os dois ativos no Gráfico 2, percebemos que a linha azul, representando valor de mercado do papel 2, com prazo 10 anos, possui muito mais volatilidade que a linha verde, correspondente à marcação a mercado do papel 1, com prazo total de cinco anos.
Importante destacar que o mercado de renda fixa privado já vem oferecendo papéis com prazos mais longos, alguns com vencimentos superiores a 10 anos. Se por um lado vislumbramos uma maturidade do mercado de capitais brasileiro para operar em prazos maiores, é necessário considerar o risco aos investidores expostos a uma carteira de longo prazo sem terem o conhecimento ou orientação adequada do profissional de investimentos.
Em síntese, a marcação a mercado dos investimentos em questão traz mais transparência ao investidor, que terá informações mais precisas para uma eventual necessidade de liquidez e acompanhamento de seus ativos a valor atual. O momento reforça a importância, ao definir a estratégia de alocação de ativos, de estarmos atentos às necessidades de liquidez, considerando sempre o perfil de cada investidor, objetivos, horizonte de tempo e os riscos inerentes a cada produto de investimento.