O distanciamento necessário ao piloto do caos

Andreia Loures-Vale

De repente, tudo mudou. Há riscos. É preciso tomar uma decisão. Você está com o volante nas mãos. Como tomar decisões e pilotar sua carreira na Era do Caos?

O distanciamento é necessário. Não estou falando do distanciamento social, nem apenas da pandemia do Covid-19. A pandemia vai passar, mas a imprevisibilidade crônica da civilização contemporânea não. A pandemia do Covid-19 não é apenas uma crise, é um símbolo que marca as características da nova era que entramos: a Era do Caos.

Para gerir sua carreira, você precisará se tornar um Piloto do Caos!

No passado, seria suficiente ter uma visão do todo durante um planejamento estratégico de sua carreira... E só revistá-lo após alguns anos! Agora, todo dia (às vezes mais de uma vez por dia) é necessário distanciar-se da tarefa operacional e, por alguns minutos, vislumbrar o todo, verificando se aquela operação ainda faz sentido ou o cenário já mudou radicalmente mais uma vez, porque uma premissa da Era do Caos é: tudo pode mudar a qualquer momento.

E, de repente, o mundo todo mudou de novo! Seu carro está acelerado em uma direção, mas você nem consegue mais ver a pista, não tem mais certeza se está entrando em uma reta ou uma curva, muito menos para que lado é a curva. Você reduz a velocidade? Acelera? Para o carro?

Ao pilotar qualquer processo, a ação fundamental é tomar decisões. Mas como tomar decisões em situações caóticas – totalmente imprevistas, de alto risco, imensa velocidade, sem lógicas confiáveis aplicáveis?

Em julho de 1989, quando o Jô Soares perguntou ao Ayrton Senna como um piloto enxerga naquela cortina densa de água formada pelo carro da frente quando chove, Senna respondeu: “Não enxerga. Tem momentos em que não enxerga. Aí você tem que ir pelo instinto. Lógico, você conhece a pista, mas você entra naquela cortina d’água e vai pelo ouvido, vai ouvindo. Tem uma noção mais ou menos da hora que tem que frear e quando chega mesmo na curva é que baixa aquela nuvem d’água e aparece o outro carro.”

Esta fala do nosso genial piloto aponta para uma solução! Em uma situação caótica, o processo cognitivo que fundamenta nossas decisões não é mais hegemonicamente racional. A racionalidade continua ali. A lógica continua importante. Mas não é mais suficiente, nem de longe... A gente usa uma lógica “mais ou menos” e “vai pelo instinto”. Ou seja, outros processos cognitivos ganham importância. Podemos chamar de instinto, intuição, lateralidade...

Como Pelé, olhando só para frente, adivinhou que o Carlos Alberto Torres estava vindo em altíssima velocidade atrás dele e fez aquele famoso passe no escuro... tão sincronizado com a trajetória do Carlos Alberto Torres, culminando em chute e gol na Copa de 70? Como o Pelé adivinhou?

Não precisamos ir tão longe. Não são apenas os gênios do esporte que tomam decisões acertadas por processos intuitivos. Você já experimentou este processo. A intuição é parte da cognição humana, está presente em todos nós e desempenha um papel central na tomada de decisão de um piloto do caos.

A intuição desempenha um papel central na tomada de decisão de um piloto do caos 

Agora, para aumentar a sua chance de acerto em decisões tomadas intuitivamente, o ponto crucial é distanciar-se e assim manter uma visão do todo.

Quanto mais partes da situação você consegue captar, mais informações sobre a realidade sua consciência está processando. É este processamento cognitivo amplo da situação que alimenta a intuição. É algo muito mais rápido do que os processos racionais, que demandam o tempo das palavras, da formação de frases, para estabelecer análises lógicas, relações de causa e efeito, deduções, hipóteses... O caos te engole antes de você terminar de pensar uma frase!

É preciso tomar decisões a partir da intuição, considerar outros “sensores”, os sons, os cheiros, as conexões emocionais das imagens... Tudo sem palavras! É preciso processar e relacionar informações/significados antes deles serem encarnados em palavras.

Este instante de distanciamento, em busca de uma visão do todo, para captar múltiplas informações imediatas, sinestésicas, da situação, formam uma intuição mais robusta, com mais chance de acerto.

O distanciamento permite uma imediata visão do todo, o que é fundamental para o acerto em tomadas de decisão intuitivas.

É por isso que destaco a importância de treinar este movimento de distanciar-se rapidamente, estabelecer uma visão instantânea do todo, e tomar uma decisão com agilidade. As pessoas que treinam esta percepção do todo em tomadas de decisões intuitivas desenvolvem um grande índice de acerto! Muitas vezes, suas intuições passam a se tornar mais confiáveis do que seus processamentos lógicos. Desenvolver essa habilidade é fundamental para você pilotar bem sua carreira na Era do Caos.