Quatro tendências para os próximos anos

Quatro tendências para os próximos anos

Ciclo global, juros baixos, endividamento público e estabilidade política devem marcar o ambiente de negócios dos próximos anos.

05 de janeiro 2021


Ainda que o mundo seja sempre imprevisível e sujeito a choques, como claramente mostrou 2020, o padrão é que haja alguma inércia na economia. Justamente por isso, algumas características já presentes ajudam a definir o ambiente no qual as empresas irão operar nos próximos anos.

É possível perceber hoje quatro grandes tendências. A primeira é a expansão internacional. Após o choque da pandemia, que trouxe fortes incentivos fiscais e monetários, o consenso é que a China cresça ao redor de 8,0% em 2021, voltando a convergir para ritmos menores no futuro próximo. Nos Estados Unidos, o cenário é de início de ciclo. Diferentemente de 2019, quando a taxa de desemprego alcançou seus níveis mais baixos em sete décadas e indicava o esgotamento de um longo período de recuperação, há, neste momento, a combinação de eficiência econômica, baixos custos e fortes estímulos.

A Europa deverá reforçar a sincronização do crescimento global ao acompanhar o desempenho de China e Estados Unidos, como é o padrão. Para completar, os riscos geopolíticos se reduziram com as eleições nos Estados Unidos e o ambiente continuará sendo marcado por ampla liquidez.

Neste contexto, é bastante provável que os preços de commodities, em seus níveis reais mais baixos em 40 anos, mostrem trajetória de alta pelos próximos dois anos. Este cenário, no entanto, não deverá repetir a exuberância do período de 2003 a 2008. Assim como aconteceu em 2013 e 2014, os sinais de início de um processo de normalização da taxa de juros nas economias desenvolvidas, liderado pelos Estados Unidos a partir de 2023, podem trazer instabilidade, maior aversão a risco e queda dos preços das matérias primas.

O Brasil se beneficia deste ambiente. Apesar de os termos de troca não serem uma variável estatisticamente significativa para explicar o crescimento brasileiro no último século, a correlação entre os ciclos global e doméstico é elevada quando se olham os momentos pontuais de aceleração e desaceleração do pós-guerra[1].

A segunda grande tendência dos próximos anos são os juros domésticos. A recessão de 2020 e as reformas dos últimos quatro anos permitiram que a tendência de queda dos juros reais[2] fosse retomada. Neste momento, em particular, o País vive uma experiência única de juros reais negativos em um contexto de estabilidade econômica e política.

Ainda que se confirme o início de um novo ciclo monetário a partir de meados deste ano, revertendo a tendência de queda observada depois de 2016, a estabilização dos juros reais no patamar de 3,0% a 4,0% será inédita. Isso não é pouco e sugere impactos relevantes na economia. Os juros baixos viabilizam projetos de investimento, fazem com que os investidores busquem oportunidades no setor produtivo e estimula o crédito. Será uma das raras vezes em que a poupança financeira será usada para financiar a produção no País.

A terceira grande marca dos próximos anos será o endividamento do governo gerado pelas despesas com a pandemia. Mesmo em um cenário de responsabilidade na gestão econômica, é possível que a dívida não se estabilize antes de 2027, quase dois mandatos presidenciais. Isso porque o Brasil mostra baixa capacidade de crescer em um contexto de juros em alta. Com dívida elevada, a economia brasileira fica mais exposta a choques, como a eventual reorientação de política monetária nos Estados Unidos.

A última história que irá marcar os próximos anos será a redução da tensão política. Apesar de ser provável que o ambiente continue sendo ruidoso, dificilmente as tensões do período de 2014 a 2020 irão se repetir. Com o impulso externo dado pelo aumento dos preços de commodities e com juros reais mais baixos, a economia deverá manter uma trajetória gradual de retomada, preservando a avaliação e o capital político do governo. O risco de que novas crises de governabilidade elevem de modo agudo a imprevisibilidade política deve se reduzir.

Além disso, a combinação de limites fiscais e queda apenas gradual na ociosidade, principalmente no mercado de trabalho, é um incentivo para manutenção de escolhas responsáveis de políticas e continuidade do avanço na agenda de reformas. Há pouco espaço para erros.

Estas quatro grandes tendências, ciclo global, juros baixos, endividamento público e maior estabilidade política, favorecem a retomada cíclica. Contribuem para isso a volta do setor de serviços após o fim da pandemia, a ociosidade que atenua as restrições estruturais ao crescimento e o câmbio desvalorizado[3], estimulando as exportações e a produção local.

Isso muda o debate. Diferentemente dos últimos anos, quando as atenções estiveram voltadas para o colapso econômico e político, o tema será a reforma do Estado e o avanço da produtividade. Claramente não é um quadro de exuberância, mas é o suficiente para trazer algum alívio após sete anos de turbulências.


[1] Os dois principais ciclos de crescimento nos pós-guerra, 1940 e 1990, sucederam anos de crises agudas e responderam à melhoria nos termos de troca.

[2] A tendência de queda dos juros reais ao longo dos últimos 20 anos, em grande medida associada às reformas realizadas na década de 90, foi interrompida apenas no período de 2013/18, quando as taxas oscilaram ao redor de 5,0%, com pico de quase 9,0% ao final de 2015.

[3] A taxa efetiva real está cerca de 50% mais desvalorizada que a média de trinta anos, patamar só superado pela crise de 2002.



ALEXANDRE MATTOS

Gestor CVM de Carteiras e Fundos de Investimentos/Administrador de Recursos - CGA - ANBIMA

3 a

Padovani, além de preciosa é perfeita a sua visão, bem como as expectativas futuras! Mas se me permite, no cenário interno, infelizmente, ainda teremos a variável política nacional travando muito o Brasil mais uma vez para aproveitarmos os possíveis bons ventos que irão soprar nesses próximos 2 anos, seja esta pela falta de coesão, politização continua ou mesmo, na incapacidade de compreensão sobre uma necessidade maior e urgente do crescimento deste país!

Boa analise Padovani. Certamente teremos um 2020 com muita volatilidade.

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