Reforma Tributária – Só 2 coisinhas....
São Paulo, 09 de agosto de 2022
Quando tem dinheiro envolvido, a pessoa física, empresa, ou entidade pública, quer tirar vantagem e não importa como. No caso de tributo temos a guerra eterna do estado brasileiro tentando arrecadar cada vez mais, para financiar os privilégios, contra a população querendo evadir-se fiscalmente, onde os mais abastados vão sempre ter acesso a formas de elidir fiscalmente, enquanto que os demais....pagam.
Bem, esse texto não é político, mas técnico. Contudo, não poderia deixar de contextualizar essa característica típica do nível moral e educacional brasileiro, pois influencia em como nosso sistema funciona. Tributos são importantes para manter o estado e consequentemente a ordem social e sua manutenção. Contudo, não existem limites de razoabilidade e a regra passa a ser, do lado do governo, cobrar o máximo que der, para poder gastar cada vez mais e, do lado do contribuinte, elidir ao máximo.
Com as discussões sobre reforma tributária aumentando, vários caminhos estão em discussão. Contudo, vejo propostas de pouca credibilidade. Por isso, resolvi escrever, sob minha ótica, os dois pontos que entendo serem mais críticos para a reforma tributária e não bem endereçados ainda.
1. O primeiro é o propósito de simplificação. Uns falam do imposto único, outros de um IVA. (Imposto sobre Valor Agregado, VAT nos EUA). Várias ideias pelo twitter. Mas não é tão simples assim. O regramento do sistema tributário Brasileiro é a previsão legal de um imposto com propósito e finalidade específico, fato gerador determinado e tratativas especiais para cada tipo de produto transacionado. Imposto único significa quebrar este regramento, já que tal imposto teria qualquer propósito.
Simplificar impostos no Brasil é como puxar um fio do novelo tributário e não tem volta. Se a ideia é ter um único imposto, ou poucos impostos, teremos que passar pela revisão do pacto federativo, da concentração de recursos no âmbito federal, e reduzir significativamente a complexidade do NCM (Nomenclatura Comum Mercosul), que é a base dos impostos federais e agora dos estaduais também.
O fato é que o governo brasileiro fica criando muita especificidade e complexidade para arrecadar e não tem critério para gastar.
De uma maneira geral, os tributos mais conhecidos são:
Existem 92 tipos de cobrança no Brasil. Mas, limitando-se aos impostos descritos acima, é fácil notar que uma unificação, mesmo que no grupo consumo, incorreria na revisão do pacto federativo para organizar a distribuição dos recursos. Onde seria concentrado a arrecadação? No âmbito federal, ou estadual? E o municipal? No atual cenário conflituoso entre entes federais e estaduais por interesses feudais, seria um grande desafio ao imposto único ou redução na quantidade de impostos. Atualmente, grande parte da arrecadação estadual e municipal vai para o governo federal para custear seus gastos e uma parte é repassada para subsídio de estados em desenvolvimento. Uma parte permanece em estados e municípios para custeio próprio.
Abaixo a classificação do repasse de acordo com a fonte.
Fonte: Tesouro Nacional.
Simplificar não é somente com relação a quantidade de impostos, mas o grau de especificidade. A América do Sul usa o NCM (Nomenclatura Comum Mercosul). É um código de quatro números para classificação de produtos de acordo com sua natureza. O que o Brasil fez? Adicionou mais quatro (oito números) criando subclasses dentro das classes. E para cada uma, uma alíquota que pode variar de acordo com a política do governo. E o pior, mudam frequentemente conforme a vontade do governo de incentivar ou não um determinado produto dentro de um segmento da economia.
No fim, não é só a monstruosidade de investimento feito em sistema informatizado para lidar com tanto detalhe, mas sim sua manutenção com profissionais especializados para acompanhar e alterar as alíquotas de acordo com as mudanças na política fiscal. Custo Brasil. Exemplo é a tabela de IPI:
Qual o ganho prático em se detalhar tanto a tributação, produto por produto? A Receita Federal deve ter essa conta, e deve ser favorável a ela do ponto de vista financeiro, mas as consequências intangíveis são claras: Ninguém quer fazer negócio aqui, pois é muito complicado. Mesmo para especialistas.
Enquanto no Mercosul, os países enxergam a classificação fiscal de um grupo de itens assim:
No Brasil é desta forma para o mesmo grupo de produtos:
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Fonte: NCM SISCOMEX
Digo isso de experiência própria; em certo momento da carreira tive que fazer uma operação de leasing de uma liga de Rhodium e Platina, dois metais preciosos. Após consulta com vários advogados tributaristas e especialistas na área, não se chegou à conclusão se o objeto do leasing era produto, e teria incidência de ICMS, ou se era valor monetário (metal precioso), com incidência de IOF. Muito gasto com honorários, muito custo desnecessário para fazer negócio no Brasil. Esse é só mais um exemplo do “custo Brasil.”
Ponto de atenção 1: Para simplificar, tem que mudar a cultura arrecadatória do governo, pois existe o risco de, após uma árdua mudança, o governo voltar aos poucos ao status quo vigente.
Ponto de atenção 2: Para mudar a cultura, o governo tem que parar de gerar “necessidade tributária”, que significa: Parar de gastar!
Simplificando a forma de arrecadar poderia abrir oportunidade para o governo usar seus recursos para melhorar a eficiência dos gastos. É claro que o governo é um primor em arrecadação, mas um débil em utilização do recurso arrecadado. Melhorar a utilização demandará uma reforma na LDO federal, estadual e municipal, de forma a ser mais robusta, auditável e transparente. Casos de corrupção devidamente punidos com o judiciário atuante. Porque no final, pouco importa a forma como entra o dinheiro, mas muito importa o que se vai fazer com ele e como será feito. Gastando menos e bem, os resultados são melhores e a necessidade de tributar diminui. Entramos no círculo virtuoso.
O termo simplificar é a ponta do novelo, pois envolve profundas reformas como a revisão do pacto federativo, que puxa a necessidade de reestruturar a forma que se gasta e a centralização excessiva de impostos no governo federal que por sua vez subsidia eternamente seus privilégios e estados deficitários. É um processo. Não é uma lei que vai modificar tudo. Por isso, nunca saímos do projeto de lei.
2. O segundo ponto, tão grande quanto a outra parte da reforma, é o realinhamento de carga tributária entre consumo e renda.
O fisco fez uma opção extremamente danosa para a sociedade brasileira, mas muito conveniente para o governo, que foi tributar pesadamente a receita. Por quê? Porque é fácil de identificar e arrecadar. E difícil de sonegar. Contudo, quem sofre é a sociedade, em especial aqueles de menor poder aquisitivo, pois os conhecidos IPI, PIS/COFINS e ICMS reduzem muito o poder de compra das camadas mais necessitadas da sociedade. Com a redução do poder de compra, as empresas reduzem sua capacidade produtiva, a geração de emprego, e os investimentos. Em um país de 215 milhões de habitantes, somente 10% têm renda para consumir. Escrevi sobre isso no meu artigo Brasil e a economia zumbi.
Países desenvolvidos adotam a ideia de que quem ganha mais tem condições de contribuir com mais. Contudo, a tributação da receita das empresas vai totalmente contra, pois equaliza o imposto para todos, independentemente da renda. Uma pessoa que ganha salário-mínimo pagaria mesmo imposto que um milionário quando vão a comprar um produto qualquer no supermercado. Por isso, a fonte primária de arrecadação do governo não pode ser o imposto sobre o consumo, mas sim sobre a renda.
A forma universal e mais justa de tributação na história é a renda. Não tem que inventar a roda. Contudo, nossa aptidão para levar vantagem em tudo impede de se fazer a coisa certa. E parece que o governo não entendeu ainda.
O ministro Paulo Guedes advogou, corretamente em favor do tributo sobre a renda. Contudo, sua proposta enviada ao congresso previa a incidência do IR sobre dividendos em 2 fazes de 15% e 20% com a contrapartida de redução no IR das empresas. É no mínimo incoerente. Para que vamos tributar dividendos (renda) e baixar o IR das empresas (base da renda)? É trocar seis por “meia dúzia”. O pior é que a conta, como demonstrado abaixo, resulta em aumento de IR para o acionista e mais arrecadação para o governo. De novo, o governo levando vantagem.
Nada foi dito sobre redução de impostos sobre o consumo (IPI = 10% + ICMS 18% (SP) + PIS/COFINS = 9,65%). Sem falar na forma de cálculo “por dentro” que majora a alíquota ainda mais, fazendo-as chegar próximo a 50% conjuntamente.
A média de imposto sobre consumo de países da OECD é 21,8% - dado mais recente. Uma redução de impostos sobre o consumo no Brasil até a média do VAT nos países da OECD, seria irrecuperável em termos de recita para o fisco. Abaixo uma pequena demonstração do impacto da redução do imposto sobre consumo para níveis da OECD. Essa perda de arrecadação seria maior que o resultado antes do IR das empresas a 20% da receita líquida e, portanto, irrecuperável, mesmo cobrando 100% de imposto de renda, que é absurdo.
Pensando no cidadão médio que paga por volta de 50% de imposto sobre o consumo mais 15%-27,5% de IR sobre a renda, o que sobra para viver? Essa é a realidade brasileira que massacra a economia para o privilégio de poucos, em detrimento do bem-estar social geral.
De fato, o ponto mais crítico da reforma tributária é diminuir a tributação no consumo. Se conseguirmos uma transição gradativa, o consumo aumenta, e o resto vem com aumento da produção, geração de emprego, e mais investimentos.
Engana-se que o principal problema do Brasil é a confusão e complexidade tributária e burocrática. Estes são problemas importantes, sem dúvida. Mas quem toma decisão e tem o peso da caneta nas mãos, sabe que em país de miserável, não adianta investir. Não tem volume, não tem retorno. Por isso, a tributação do consumo é tão danosa, e é nosso principal problema tributário.
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2 aAbsurdo a quantidade de impostos que pagamos.