De Brasília para o Brasil: como as políticas urbanas afetam a vida no seu bairro
Olá! Estamos chegando com a primeira edição da Lellolab News de 2023. Nosso espaço para debater a #vidaemcomum começa o ano falando sobre as decisões políticas que afetam o todo dia das nossas vidas. Esse é sempre um tema espinhoso, mas vamos de leve, com serenidade, que vai ser um passeio interessante pelos caminhos da #políticaurbana, dos gabinetes nos grandes centros de poder até a esquina de casa.
A trilha sonora para embalar esta leitura é “Faria Lima pra cá”, do Passo Torto, que mostra bem uma #cidade mudando como consequência de decisões políticas.
“Hoje ali tem o metrô
Nem bem um ano passou
Havia o bar do João
E hoje tem a estação
Faria Lima pra cá?
Nem dá um, dois
Eu vou de trem do metrô,
Meu Deus, eu vou!”
A volta do Ministério das Cidades
O ano em Brasília começou com uma novidade que promete afetar a vida nos centros urbanos: a volta do Ministério das Cidades, extinto em 2019 e que agora retorna com a missão de promover o “desenvolvimento urbano e ordenamento do território urbano”.
Em linhas gerais, o órgão será responsável pelas “políticas setoriais de habitação, de saneamento ambiental, de mobilidade e trânsito urbano”. O relatório final do Gabinete de Transição Governamental, produzido pela atual gestão do governo, pontua a necessidade de investir na prevenção de desastres climáticos, expandir sistemas de transporte público de média e alta capacidade e promover programas de habitação.
E por que é importante? Urbanistas e especialistas em políticas públicas já ressaltaram, ao longo dos últimos anos, a importância de ter um Ministério que foca em “coordenar e financiar ações voltadas às graves questões que atingem as cidades”. Isso já resultou, no passado, em documentos como o Plano Nacional de Habitação, o Plano Nacional de Saneamento Básico e o Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que ajudaram a impulsionar políticas públicas nessas áreas pelo país.
“Em nome do planejamento racional em termos financeiro e de infraestrutura, tais áreas [habitação, saneamento básico, mobilidade e desenvolvimento urbano] exigem programas e investimentos integrados [...] Para tanto é essencial um plano nacional de desenvolvimento social e econômico que priorize a qualidade de vida nas cidades”, escreveu, ainda em 2018, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU), Luciano Guimarães.
Há, é claro, desafios de gestão que o novo governo deverá enfrentar, como o risco de burocratização de políticas públicas, a descontinuidade de projetos, o desafio de alocar dinheiro e garantir fluxo de caixa no orçamento federal, além da necessidade de estabelecer um corpo diretivo técnico e de qualidade, evitando o loteamento do órgão para fins políticos.
A atual gestão do governo diz que o Ministério das Cidades terá como diretriz “a redução das desigualdades urbanas e a promoção da transição ecológica nas cidades”.
Mas na prática, tentando sair do campo do oficialês, como isso se traduz em ações?
A criação da secretaria de territórios periféricos, por exemplo, é uma das novidades para tentar traduzir intenções em ações. As prioridades do novo órgão, segundo o secretário, serão a urbanização das favelas e a prevenção de enchentes e deslizamentos de terra.
No campo da transição ecológica, podemos listar o recém-anunciado programa de incentivo à reciclagem e a promessa de direcionar os recursos do Minha Casa Minha Vida para pessoas em áreas de risco, em uma ação visando mitigar os riscos de eventos climáticos como o que abateu o litoral norte de São Paulo na semana passada.
Promessa é dívida. Fiquemos atentos, observando, cobrando e analisando os impactos das ações do novo ministério na esquina nossa de cada dia.
A cidade do Minha Casa, Minha Vida
Como costuma acontecer, os documentos que inauguram e norteiam estruturas públicas são mais generalistas e nos deixam sempre com a pergunta: “Como isso vai ser feito?” No caso do Ministério das Cidades, a resposta passa em boa medida pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Esta política de habitação social, criada, em 2009 é a principal aposta do novo governo para atender muitos dos seus objetivos, e é prioridade do Ministério, nas palavras do próprio Ministro.
- Problemas em áreas de risco? Minha Casa, Minha Vida
- Avançar no uso de energias renováveis em áreas urbanas? Minha Casa, Minha Vida
- Até a modernização do setor da construção civil está prevista na Medida Provisória que relançou o programa. A indústria, então, atua para tentar entrar nesta onda que o governo anuncia.
Se há tanta energia concentrada nesteprograma, é fundamental entendermos quais avaliações foram feitas de sua primeira experiência. Naturalmente não há uma linha consensual de sugestões ou críticas, mas algumas leituras valem destaque, entre elas a da urbanista Erminia Maricato, professora da USP que foi secretária executiva do Ministério das Cidades antes da criação do programa, em 2009, e integrou o gabinete de transição em 2022.
Em uma entrevista concedida à BBC, em 2018, ela elenca três críticas:
Piorou as cidades - Maricato afirma que conjuntos residenciais do programa erguidos longe dos centros urbanos levarão várias décadas para se integrar às cidades. "Esse investimento gigantesco, aliado a uma especulação de terras ciclópica, tornou as cidades ainda mais inviáveis no Brasil.”
Agravou as dificuldades de acesso à moradia entre os mais pobres - “O pessoal mais pobre foi empurrado para a periferia da periferia, inclusive áreas de proteção de mananciais. A fronteira de ocupação predatória foi ampliada, porque o preço da terra subiu na periferia."
Criou bairros especialmente vulneráveis ao crime organizado - "A cidade segura é compacta, com mix de uso: tem moradia e trabalho, está viva de dia e de noite."
Outra importante referência crítica é o livro Minha Casa... E a Cidade? (2015), organizado por Caio Santo Amore, Lúcia Zanin Shimbo e Maria Beatriz Cruz Rufino, também professores de Arquitetura e Urbanismo da USP. Uma reportagem do UOL resumiu assim o programa a partir dos argumentos do livro:
👍 Pontos positivos: Tamanho e velocidade do programa, redução do déficit habitacional e subsídio.
👎 Pontos negativos: Localização dos terrenos, padronização das construções e cadastros sem transparência e ação do tráfico.
Algumas dessas críticas podem ser entendidas visualmente. Abaixo, uma colagem de fotos que mostram o Minha Casa, Minha Vida na perspectiva urbana e na perspectiva humana.
A influência da visão urbana de quem paga a conta
Mas afinal, você já se perguntou por que as decisões tomadas em Brasília se tornaram cada vez mais relevantes para a vida nas cidades? É que, nos últimos anos, os municípios brasileiros ficaram com o orçamento mais rígido, com maior dificuldade para encontrar espaço para a realização de grandes obras urbanas.
Boa parte dessa situação deriva do fato de que os serviços sociais básicos, como saúde, educação e assistência social, são intensivos em mão de obra, e acabam exigindo gastos crescentes em termos de pessoas, e isso reduz a margem de manobra dos municípios dentro do seu orçamento.
Como resultado, as grandes intervenções urbanas das últimas décadas têm acontecido principalmente com o financiamento do governo federal ou de agências de fomento, como Agência Francesa de Desenvolvimento, Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outros. Nesses casos, quem financia boa parte da obra costuma colocar como contrapartida algumas exigências que vão além das contraprestações financeiras.
A cidade de Curitiba, por exemplo, está intensificando testes com ônibus elétricos com o objetivo de chegar a 2030 com um terço da frota do transporte coletivo totalmente eletrificada. A iniciativa não é exclusivamente uma vontade política da prefeitura local, mas está atrelada à obtenção de investimentos estrangeiros para o financiamento de grandes obras na cidade. Segundo informações da prefeitura, a eletrificação da frota é uma resposta às questões climáticas, prioridade mundial dos organismos multilaterais de fomento ao desenvolvimento.
Ou seja: não são só os gabinetes de Brasília que definem o futuro das nossas cidades, mas também os de Washington, Paris, Tóquio e mesmo Pequim.
Inspiração de pé de página
“Estamos na undécima hora para resolver o problema [habitacional], que tem de ser resolvido com a condição de satisfazer um “direito” que não adianta ocultar com as desculpas de que os pobres põem nas casas modernas as galinhas dentro das banheiras e os sapatos nas geladeiras. A “Invasão” tem que ser eliminada por meio de uma séria e honesta planificação e não com as tropas de choque.”
Lina Bo Bardi - arquiteta modernista ítalo-brasileira.
Para receber antes e no seu e-mail, inscreva-se.
Para ler as edições anteriores, clique aqui.
Siga a gente no Instagram!
Até nossa próxima edição!
Esta edição é uma produção OExpresso + Lellolab
Edição: Gustavo Panacioni e Camila Conti
Texto e pesquisa: Estelita Hass Carazzai e João Frey
Analista de Marketing | Analista de Comunicação | Comunicação e marketing | Marketing estratégico | Redator | Revisor | Apaixonado pela escrita
1 aParabéns, Lellolab!