Diversidade e viés inconsciente: uma breve introdução.

Diversidade e viés inconsciente: uma breve introdução.

Em 18 de Janeiro de 2018 uma das mais importantes consultorias de gestão e estratégia do mundo, a McKinsey & Company lançava um artigo intitulado "Delivering through diversity" ("A diversidade como alavanca de performance", na versão em português). Neste artigo a empresa aponta resultados de uma pesquisa que reforçava o vínculo entre diversidade étnica e de gênero das empresas e sua performance financeira. Embora este artigo tenha repercutido muito nas empresas mundialmente, a luta por diversidade em nossa sociedade começa muito antes, em muitos lugares e de muitas formas diferentes: Nos anos 60 com a invenção da pílula anticoncepcional, com os movimentos sociais ocupando as ruas dos Estados Unidos e Europa em busca de políticas públicas, com a comunidade LGBT lutando para ser retirada dos manuais de doença nos anos 90, com a lei de inclusão de pessoas com deficiência no Brasil, e, mais recentemente, com as leis de cota no ensino superior. Não existiu um direito básico dos grupos minorizados que não tenham sido conquistados com anos de lutas.

A própria correlação feita pela McKinsey não foi, em si, tão inovador. Diversas pesquisas já mostraram que grupos diversos tendem a tomar as melhores decisões. Por exemplo, no livro de "A Sabedoria das Multidões" de 2004 o jornalista James Surowiecki já dizia que se um número suficiente de pessoas diversas (e no livro existem diversos critérios para definir a diversidade) possuem a melhor performance ao tentar tomar algumas decisões específicas. Mas o fato é que nos últimos anos temos visto empresas se organizarem fortemente para aumentar a diversidade em seus quadros, criando inclusive departamentos inteiros de diversidade, equidade e inclusão. Esse é um momento de vitória, embora ainda tenha muito a ser corrigido e ajustado além de um longo caminho a percorrer,. 

Neste post não queremos esgotar todo o tópico de diversidade em gestão de pessoas, porque seria impossível. Queremos apenas ressaltar alguns pontos principais e guiar recrutadores e entrevistadores em seus estudos próprios sobre diversidade.

O que leva empresas a serem pouco diversas?

Essa é uma discussão interessantíssima e muito longa, e não conseguimos cobrir aqui com a atenção que ela merece, mas acreditamos que uma breve contextualização das causas pode te ajudar a entender como melhorar seus processos. Dois fatores principais contribuem diretamente para a falta de diversidade nas empresas: vieses inconscientes (e como eles guiam nossa tomada de decisão) e questões histórico-sociais que separam diferentes grupos em acesso e oportunidades. 

Vieses inconscientes

Daniel Kahneman, um pesquisador israelense que há anos investiga nosso processo de tomada de decisão, fala que nosso cérebro possui duas formas de decidir: uma demorada, racional, pensada e decidida, e outra rápida, mais instintiva e baseada em emoções e experiências passadas. Não existe, segundo Kahneman, uma forma melhor ou pior de tomar decisão, já que cada situação vai exigir uma forma que se adapta melhor. O problema é quando, em situações que necessitam análise mais racional (o modo devagar de tomar decisão), somos fortemente influenciados pelas emoções do modo rápido. 

É neste jogo de influência que surgem os vieses inconscientes: quando uma decisão que acreditamos ser racional é, na verdade, influenciada por fatores que ignoramos. Alguns exemplos são: 

  • Viés de confirmação: quando damos mais atenção á argumentos que confirmam nossa hipótese inicial, ignorando o que contradiz 
  • Viés de retrospectiva: quando achamos que a nossa capacidade de prever algo é maior do que realmente é (aqui você deve lembrar do último post quando falamos do potencial de previsibilidade de cada tipo de entrevista) 
  • Viés de ancoragem: quando somos influenciados pela primeira coisa que ouvimos sobre algo.
  • Viés de desinformação: quando nossa memória sobre um evento é alterada por alguma informação que recebemos após o evento.
  • Viés de observador: quando temos diferença em como explicar as ações de alguém que observamos versus como explicamos nossas próprias ações
  • Viés de falso consenso: nossa tendência em achar que pessoas concordam com a gente mais do que realmente elas concordam. 
  • Viés halo: o peso que a primeira impressão tem sobre nossa percepção das pessoas ou coisas. 
  • Viés da atenção: quando focamos nossa atenção só nos eventos ou opiniões que nos interessam, ignorando as demais. 
  • Viés de disponibilidade heurística: tendência de dar mais atenção à ideias que vem facilmente à mente. 

Os vieses inconscientes estão na base das discriminações e preconceitos, e em recrutamento acontecem principalmente em como percebemos os candidatos durante uma entrevista ou avaliação do currículo. 

Questões histórico-sociais e o risco a meritocracia

Embora avançamos muito nos direitos de grupos minorizados, não podemos ignorar o impacto de centenas de anos de discriminação que nossa sociedade viveu. Isso gerou diferenças grandes na quantidade e qualidade de oportunidades que são disponibilizadas para diferentes grupos, e diferentes oportunidades e acessos levam a perpetuar as diferenças entre estes grupos. Por isso, durante a definição das estratégias de recrutamento, além de nos preocuparmos com os vieses cognitivos, precisamos pensar como a sociedade se estabeleceu e as melhores formas de considerar este contexto no processo seletivo. 

Historicamente um grupo específico teve acesso às melhores escolas e universidades, um grupo específico trabalhou nas melhores empresas e nos projetos mais atrativos, um grupo específico conseguiu fazer intercâmbio e se tornou fluente em outra língua, e isso vai aparecer nas suas entrevistas. Por isso, é preciso pensar em soluções que contornam estes aspectos da sociedade. 

Como eu disse, conhecer sobre como tomamos decisões e o papel dos viéses inconscientes sugiro os livros "Rápido e Devagar" e "Ruído: Uma falha no julgamento human" do Daniel Kahneman, e se você quer se aprofundar nas questões histórico-sociais da população que estamos recrutando, sugiro o livro "A Tirania do Mérito" do filósofo Michael J. Sandel, e toda a coleção Feminismos Plurais, coordenada pela Djamila Ribeiro. 

Uma vez que você já conhece as causas gerais, podemos começar a entender como estes tópicos geralmente aparecem no processo seletivo. 

Identificando pontos de atrito para diversidade no recrutamento

Não vou mentir: criar um recrutamento seletivo diverso pode ser exaustivo, porque você vai precisar ter atenção constante em cada ponto de contato do seu processo para identificar se, de alguma forma, ele não se tornou um ponto de atrito para candidatos com perfis diferentes. Também porque o próprio formato que conhecemos hoje de como identificamos a melhor pessoa é, em teoria, meritocrático, carregando todos os problemas da falsa meritocracia que você pode ver no livro do filósofo Michael J. Sandel.

Durante as diferentes postagens da nossa série "A estratégia do básico bem feito" já citamos diversos destes pontos de inflexão, mas aqui queremos recapitular e adicionar outros:

  • Como definimos o perfil da vaga e a barra de qualidade. Precisamos ter cuidado em não adicionar requisitos que não são realmente obrigatórios nas descrições de vagas, e mais cuidado ainda em solicitar um tipo de conhecimento ou experiência que privilegia uma parte específica da população (por exemplo, vivência de intercâmbio ou inglês fluente, quando o trabalho em questão pode ser realizado sem o inglês). 
  • Onde e como divulgamos vagas e fazemos buscas de candidatos. Os algoritmos de redes sociais podem ser muito úteis, mas também te colocam mais frequentemente em contato com pessoas com interesses similares ao seu, criando uma "bolha", o que pode resultar em suas postagens ou buscar atingir sempre os mesmos candidatos. Da mesma forma, cuidado com os critérios que você utiliza em seus sourcing. 
  • Como abordamos e nos comunicamos com candidatos. A comunicação é um fator essencial para recrutamento, mas também pode ser uma barreira para a diversidade. Seja por falta de tecnologias assistivas para pessoas com deficiência, ou por desconhecimento sobre pessoas transexuais, por exemplo. Saber e conseguir se comunicar com pessoas diferentes é essencial para o processo. 
  • Como estruturamos o processo seletivo. Alguns processos, pela forma como eles são desenhados, podem privilegiar um grupo específico de candidatos. Por exemplo, alguns testes de raciocínio lógico privilegia pessoas que vieram de escolar particulares à alunos da rede pública, cases e testes muito longos privilegiam geralmente moradores de áreas mais centrais da cidade, homens e pessoas sem filhos em geral, entre outros. 
  • Como avaliamos os candidatos. Diversos vieses inconscientes fazem com que sejamos mais rígidos em avaliações de candidatos que sejam diferentes de nós, além de reproduzir preconceitos da sociedade. Vamos falar mais sobre estes vieses mais a frente. 
  • Como tomamos a decisão final. Quando duas ou mais pessoas são aprovadas em um processo, vieses conscientes e inconscientes também atual no momento de escolher quem deve ocupar a vaga aberta. 
  • O que oferecemos aos candidatos. Seja em quantidade de tempo de fala, atenção ou até financeiramente, existe uma diferença em o que candidatos não diversos recebem dos recrutadores, entrevistadores e empresa comparados com candidatos diversos. 

Dito isso, a primeira etapa imprescindível para se criar um recrutamento mais diverso é revisar, em detalhes, todo seu processo seletivo. Muitas empresas focam apenas em onde se divulga as vagas e busca candidatos, e não atinge os resultados esperados justamente porque não aprofundou nos demais aspectos do seu processo. 

Propostas para mudança

Nós na Halfway acreditamos que, assim como são complexas as causas da falta de representatividade na sociedade, as soluções também são complexas, porque envolvem verdades revoluções em diversos setores públicos e privados. Contudo, duas coisas você e sua empresa podem começar a fazer imediatamente, ao tentar endereçar esse problema em Recrutamento: revisão de processo e intencionalidade.

Além do que já falamos sobre como rever o processo, uma outra prática que vem sendo muito discutida é o recrutamento às cegas, onde a empresa tenta ao máximo privar os entrevistadores de terem acesso qualquer informação que identifique gênero, idade, raça, e em alguns casos até mesmo nome das empresas e instituições de ensino que passou, tentando excluir vieses inconscientes na tomada de decisão. O outro, são as vagas afirmativas, que são vagas voltadas exclusivamente para pessoas de algum grupo específico, como mulheres em liderança ou pessoas negras, a fim de reduzir o impacto do viés inconsciente na tomada de decisão, além de criar objetivos claros para a empresa. 

De novo, quando o assunto é diversidade existem diversas outras atividades e práticas que precisamos pensar para que o objetivo seja plenamente alcançado, contudo precisamos começar de algum ponto. Esperamos continuar debatendo este assunto e ajudar empresas a encontrarem as melhores soluções.


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