Inovação precisa de reflexão.
As já não tão recentes polêmicas sobre o uso e mercantilização de dados de usuários das plataformas digitais ganharam uma nova importância nos últimos tempos. Mais recentemente, começamos a conviver com um novo tipo de radicalismo, baseado na demonização das plataformas.
É importante, antes de tudo, entender que inovação é um processo, não um fim.
Qualquer nova ideia, experiência ou iniciativa que consegue penetrar na sociedade – e, como um hospedeiro sedutor, provocar mudanças de atitude –, precisa de um período de acomodação. Até porque, num primeiro momento, sempre respondemos às novidades com um comportamento viciado pela realidade anterior, “pré-inovação”.
Pensem na revolução industrial: até aquele instante na história, as pessoas basicamente viviam no campo, em condições miseráveis, reféns do tempo e de sua capacidade individual de mão de obra. Com a chegada da industrialização, quem antes só pensava em sobreviver foi seduzido pela suposta garantia de um salário e da chance de ter mais controle da própria vida.
Porém, a prática de trabalho de sol a sol no campo se replicou nas fábricas. Até que alguém finalmente olhou, pensou e falou: “Está errado. Vamos rever”. Nascem então os sindicatos, as leis, as regras, os benefícios, os interesses econômicos e políticos – hoje em cheque com a nova era do empreendedorismo individual e da desintermediação.
A mesma questão, uma nova revolução.
Como evoluir nossa atitude e comportamento diante de um novo modelo de sociedade e de vida?
Meu palpite é que esta reflexão é mais importante do que o “radicalismo de manada” que hoje pauta as grandes conversas sobre o digital como parte inerente da vida da humanidade. Algumas coisas que já aprendemos: As pessoas querem o serviço e o benefício. Se for bom e sem custo, sequer vão ler políticas de privacidade. O problema é que para usufruir do serviço, você estará abrindo mão de uma coisa que pode ou não ser importante para você: sua privacidade, de forma clara e explícita. A responsabilidade de quem te provê o serviço é de estabelecer a regra do jogo, de forma transparente e verdadeira. Aï, a decisão é de cada um.
Plataformas que nasceram para conectar pessoas, promover diálogos e dividir descobertas evoluíram como agregadores de interesses dos mais diversos. Ótimo quando falamos em temas universais; complicado quando falamos de tendências mais radicais; imoral quando falamos de negações históricas; e criminoso quando falamos de racismo, pedofilia, misoginia e da pura e simples mentira. Como estabelecer as tais regras claras, que passam por indicar o que é amoral e imoral e denunciar o que é falso e crime, aplicando as consequências? A resposta não é fácil, mas as questões fazem todo o sentido quando olhamos para empresas e plataformas que, em 15 anos, mudaram o comportamento da sociedade.
No front mais quente desse debate, a professora emérita de Harvard, Shoshana Zuboff acaba de lançar um livro onde explora o conceito de “Capitalismo de Vigilância” (Surveillance Capitalism), onde, em uma visão bem direta e um pouco mais sombria, disseca porque as plataformas planetárias – Facebook, Google e Amazon – não vão deixar de monetizar os dados gerados pelas pegadas digitais, voluntárias e involuntárias, porque este é o modelo de rentabilidade do negócio. Será? Ou veremos novos formatos?
Reflexão é o nome deste jogo para a indústria, governos, grupos de interesse e, no final, para o mais importante: as pessoas. Ou seja, você.
Radicalismo sempre tem o viés de privilegiar um ou outro lado. Só refletir ajudará na definição de um caminho de ganho compartilhado e democrático, a promessa original que a internet nos trouxe de forma transformadora e definitiva.